segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Nos Braços da Morte: A Peste Negra no Limiar da Idade Média. baseado no Artigo da Profª Renata Cristina de Sousa Nascimento.

Este Texto esta baseado no Artigo “Nos Braços da Morte: A Peste Negra no Limiar da Idade Média”, da Profª. Drª. Renata Cristina de Sousa Nascimento, publicado no livro “História Medieval II: a baixa idade média”, organizado por José Carlos Gimenez, nas paginas 99 a 111.



           
“No ano do Senhor, 1348, aconteceu sobre quase toda a superfície do globo uma mortandade que raramente se tinha conhecido semelhante. Os vivos, de fato, não conseguiram enterrar os mortos, ou os evitavam com horror. Um terror tão grande tinha se apoderado de quase todo mundo, de tal maneira que no momento que aparecia em alguém uma úlcera ou um inchaço, geralmente embaixo da virilha ou da axila, a vítima ficava privada de toda assistência, e mesmo abandonada por seus parentes. O pai deixava o filho em seu leito, e o filho fazia o mesmo com o pai. Não é surpreendente, pois, que quando numa casa alguém tinha sido tocado por este mal e tinha morrido, acontecesse muito frequentemente, todos os outros moradores terem sido contaminados e mortos da mesma maneira súbita; e ainda mais, coisa horrorosa de ouvir, os cachorros, os gatos, os galos, as galinhas e todos os outros animais domésticos tiveram o mesmo destino. Aqueles que estavam sãos fugiram apavorados de medo. E assim, muitos morreram por descuido, os quais talvez tivessem escapado de outro modo. Muitos ainda, que pegaram esta doença e dos quais se acreditava que morreriam com certeza imediatamente sobre o chão foram transportados, sem a mínima discrição até a fossa de inumação. E assim, um grande número foi enterrado vivo. E a este mal se acrescentou outro: corria boato de que certos criminosos, particularmente judeus, jogavam venenos nos rios e nas fontes, o que fazia aumentar tanto a peste acima mencionada. È a razão pela qual tanto cristãos como judeus inocentes e pessoas irrepreensíveis, foram queimadas e assassinadas e outras vezes maltratadas em suas pessoas, mesmo que tudo isso procedesse da constelação ou da vingança divina. E esta peste se prolongou além do ano anteriormente dito, durante dois anos seguidos, espalhando-se pelas regiões onde primeiramente, não tinha acontecido. (Vitae Paparum Avenionensium Clementis VI, apud PEDRERO-SANCHEZ, 2000, p. 194-195).

            As palavras deste documento traduzem com realismo a situação de calamidade que ocorreu nos séculos XIV e XV. Profundas crises estavam ligadas a guerra dos Cem anos, ao Cisma do Ocidente e especialmente a Peste Negra.
            Os efeitos desta doença foram devastadores, provocando em torno de 80% da morte dos infectados. A disseminação era rápida e eficaz, afetando toda uma família e até os seus animais domésticos. Logo a doença se espalhou por todo o continente europeu. Alguns historiadores falam sobre perdas humanas no total de 2/3 ou 9/10 da população da época.
            A crise gerada pela grande peste foi sentida em todos os segmentos da sociedade. Por exemplo, por causa da peste negra, ocorreu uma intensa migração. Primeiro a população rural achava que deveria ir para as cidades onde poderia contar com mais recursos para a sobrevivência. A população das pequenas cidades migrava para as grandes cidades por não contarem com recursos suficientes ali, nas cidades onde viviam. O fato, é que as migrações não trouxeram alívio a população. ao contrário, o acumulo de pessoas provocou uma rápida disseminação da doença, e o seu transporte era feito através, justamente destas movimentações.
            Outra mudança que ocorreu na sociedade nos séculos XIV e XV, foi no estilo de vida. Alguns pensavam que deveriam levar uma vida bem regrada, moderada, e que somente assim poderiam se proteger contra tal doença, que muitos acreditavam ser uma espécie de castigo divino. Já outros, adotaram um comportamento totalmente contrário, pois, achavam que a doença de uma forma ou de outra os atingiria. Então nada mais restava a eles a não ser aproveitar todos os momentos, rindo, se divertindo, gozando dos oportunidades que ainda lhes restava. Gastava-se o tempo a procura de se obter satisfação pessoal.
            Em meio a uma sociedade religiosa, cercada de superstições, era de se esperar que houvesse também uma busca de culpados pela crise que se instalou. Primeiro, os judeus foram acusados de trazerem esse castigo divino para a sociedade. Eram suspeitos de criminosamente envenenarem as fontes e poços de água, o que contribuíra para expansão da peste. Houve por conta destes boatos, perseguições, massacres nos guetos, e em certas regiões foram até mesmo queimados em praça pública.  Também os vagabundos, os leprosos, os pobres, foram acusados de serem a causa primária da doença. Por isso a onda de violência aumentou vertiginosamente.
            A doença encontrou nas comunidades pobres receptividade, devido ao fato de esta parte da população não ter recursos para uma boa alimentação, não dispor de condições adequadas de higiene, e não poder pagar pelos serviços médicos da época.
            Neste cenário de caos, pessoas inescrupulosas se aproveitaram para buscarem o seu próprio benefício. Com isso, houve um acentuamento das condições sociais, os ricos que eram minoria, se tornaram ainda mais ricos e os pobres tiveram sua condição ainda mais rebaixada. As mudanças básicas foram: êxodo rural, aforamento de terras e subida geral de preços.
            Por causa do êxodo rural, começou a faltar alimentos nas cidades, pois não havia quem os cultivasse. O governo adotou leis que visava sanar este problema. Eram leis que obrigavam o cultivo das terras e não permitia que famílias de agricultores mudassem de profissão. Bem como, estabelecia a obrigatoriedade dos trabalhos dos agricultores em outras propriedades, quando solicitados a isso.
            Houve a criação das Sesmarias, com a intenção de obliterar o processo de transformação citadina que ocorria em detrimento da zona rural. Era uma tentativa de inversão do êxodo rural.
            A professora Renata Cristina de S. Nascimento, de forma interessante, aborda esta temática da peste negra, mostrando os efeitos que esta epidemia tivera sobre a sociedade imediata e nos possibilitou uma reflexão sobre os efeitos desta em longo prazo.
            Excepcional e quase poética, foi à citação que ela fez neste ponto, de Le Goff:

“A doença pertence não só à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também a história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às representações, às mentalidades.” (LE GOFF, 1990. P.7)
           
            A professora Nascimento, cita Bastos, ao dizer que “mais do que um fator biológico, a doença é um elemento de cultura. Ela, a doença, é o que dela se diz ao longo do milenar contato do homem com os agentes patogênicos”.
            Embora seja uma epidemia, e tenha resultado na perda de milhares de vidas. A peste negra, levou uma sociedade a buscar uma visão diferente de mundo, a encontrar alternativas para a sobrevivência e forçou uma busca de novas tecnologias, especialmente entre o saber médico e popular. Levou também a busca de se entender as complexas relações entre cidade e epidemia.


Referências
NASCIMENTO, RENATA CRISTINA DE SOUSA. História Medieval II: a baixa idade média. Nos Braços da Morte: a Peste Negra no Limiar da Idade Média. Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2010. José Carlos Gimenez, Organizador. Paginas 99 a 111.


Silvon Alves Guimarães
“Acadêmico do curso de História da Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí”.

Um comentário:

Por um momento estivemos juntos, ligados pelas ideias. Foi muito bom! Nos encontramos em breve! Tchau!

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 4

 4 DA LUZ À ESCURIDÃO E DE NOVO À LUZ – OS CAMINHOS DO POEMA EM “A ROSA ABSOLUTA” DO POETA GUIMARÃES FILHO Um poema começa [...]           ...