domingo, 4 de dezembro de 2011

A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DA REVOLUÇÃO ACABADA – UMA IDEOLOGIA PARA A LEGITIMAÇÃO DO PODER

Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia! Eu quero uma pra viver. Ideologia! Pra viver... Pois aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro. E os meus sonhos foram todos vendidos tão barato.


Ao cantar a ideologia, cazuza, entra em um assunto que tem sido muito discutido pelos filósofos e pensadores durante os séculos. Para alguns, como Karl Marx, a ideologia age mascarando a realidade. Portanto, a ideologia pode ser considerada um instrumento de dominação que age por meio de convencimento de forma prescritiva, alienando a consciência humana.

Edgar Salvadori De Decca, em “O Silêncio dos Vencidos”, que faz uma análise da revolução de trinta, como construção, cita Marilena Chauí, quando esta argumenta que através da ideologia é montado todo um imaginário e toda uma lógica de identificação social com o objetivo de escamotear o conflito, escamotear a dominação, escamotear a presença do ponto de vista particular, enquanto particular, fazendo com que este tenha a aparência de ponto de vista universal. De Decca, segue a mesma linha de raciocínio que Alcir Lenharo, em “Sacralização da Política”, onde ao analisar a Revolução de trinta, ele também cita Marilena Chauí para mostrar como se construiu um imaginário em torno de uma revolução acabada, com o objetivo de legitimação do poder.

Lenharo nos fala sobre um conjunto maquínico do faz-se/refaz-se para dar acomodação aos subconjuntos e assim determinar essa ou aquela formula de poder como sendo a ideal. A propaganda governamental foi eficiente em impor, de modo persuasivo, a supressão do exercício das liberdades civis, subsumidas como componente inerente ao progressismo. Desta forma, a população foi levada a crer que aceitar a supressão dos direitos civis era o “mal menor”, ao qual se teria que se submeter diante do dever democrático, nos diz Lenharo.

O Estado no seu compromisso de produzir uma memória histórica, como momento decisivo do seu exercício de dominação, passa a participar do campo imaginário de trinta criando um discurso da revolução que já terminou, conseguindo com isso desautorizar os agentes sociais, que poderiam se opor ao regime ditatorial na busca dos direitos políticos da cidadania, argumenta De Decca.

A Revolução de trinta, como “fato histórico”, esta cheia de contradições, sendo na verdade, uma construção simbólica de uma luta que ocultou em seu desenrolar o próprio conflito de classes. De Decca, argumenta que a criação da idéia de uma revolução ocorrida em 1930, foi uma estratégia de produção do silêncio dos vencidos e uma ação legitimista da dominação ditatorial. Se houve uma revolução em trinta, diz De Decca, esta ocorreu nos moldes da explicação de Luis Werneck Vianna, que acompanha as indicações de Florestan Fernandes, concluindo que a “Revolução de trinta” seria uma revolução “pelo alto”, de tipo Prussiano, como as citadas por Lenin. Ou seja, uma revolução continuista, que conserva, ou reativa os componentes do governo ditatorial. Uma revolução que abre caminho para o novo, sem basicamente alterar o antigo.

Alcir Lenharo vai ao ponto de nos dizer que a construção de uma revolução acabada, de 1930, deu a certeza ao estado de que a sociedade estava contida nas suas diferenças e neutralizada nos seus focos de conflito. Criou-se um clima artificial de certeza de uma fraternidade nacional estável e duradoura, não sobrando espaço para boatos e contra-informações que perturbassem a tranqüilidade “dos que trabalham e querem progredir”, segundo o pensamento construido pela idéia da Revolução de trinta.

De Decca, nos mostra que a propaganda estatal, vinculou a noção de atraso e dependência da formação social brasileira, à classe trabalhadora, desqualificando a efetivação histórica dos conflitos que existiram. Se a classe trabalhadora é inoperante e insuficiente historicamente, o Estado se apresenta como o único sujeito histórico adequado ao país para aquele momento e, ao mesmo tempo, o corretor da sua linha de progresso e evolução histórica, nos mostra Alcir Lenharo.

A Revolução acabada toma de empréstimo a sua origem mítica de fundação. É uma construção de um imaginário, onde tem como objetivo dar legitimidade ao poder ditatorial. Felizmente, a nova maneira de análise, deixa de olhar o proletariado como incapaz e tem dado voz aos operários, estudantes, donas-de-casa, professores e muitos outros, que tem invadido a cena do social e nos oferecido uma dimensão da participação popular na história.

Referências:

DE DECCA, Edgar Salvadori. 1930 – O Silêncio dos Vencidos – Memória, História e Revolução. São Paulo, Brasiliense, 1994.

LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. São Paulo, Papirus, 1986.

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