terça-feira, 3 de julho de 2012

Nietzsche e a imoralidade da moral cristã


“É preciso destruir a moral para libertar a vida”. (Nietzsche, Vontade de Poder, vol. I)
            Para Nietzsche todo e qualquer sistema moral (há morais e não a moral) é determinado por um conjunto de instintos que se definem em dois tipos: afirmativos e glorificadores da vida ou negativos e caluniadores. A moral, seja ela qual for, tem um fundamento psicofisiológico, ou seja, é a partir do corpo do sujeito que julga e da forma como este com aquele se relacionam que se constitui a perspectiva sobre a vida chamada valor. A moral, nas suas diversas formas, é manifestação ou sintoma de uma determinada espécie de vida: ascendente ou descendente.
Quando Nietzsche usa o termo “Destruir a moral”, ele quer dizer que se deve destruir certa espécie de moral, deve-se mostrar a sua imoralidade, deve-se mostrar que moral é falsa e que ela foi cria ou inventada para satisfazer os instintos de ódio, vingança e ressentimento que são em si, contraditórios aos próprios princípios pregados pela moral. “Libertar a vida” significa libertar certa forma de vida de uma moral que a intoxica, a denigre e impede a sua plena manifestação.
            Os Gregos na sua filosofia deram inicio a esse pensamento racionalista que se desenvolveu até chegar a essa forma Ocidental de pensar. Mas Sócrates e Platão são apenas o começo — o que já não é pouco — dessa interpretação racionalista ou idealista (débil) da realidade. É o cristianismo que vai adaptar, desenvolver e popularizar o legado socrático-platónico.
Nietzsche diz que aquilo que o Ocidente se acostumou a considerar como a verdadeira realidade, que na linguagem cristã terá o nome de “reino de Deus” ou “vida eterna”, é ao final a miserável invenção de vontades fracas e impotentes, o produto do delírio doentio daqueles que nada mais são do que realidades falhadas, seres impotentes e débeis. Poderíamos comover-nos com este desejo de estabilidade e de paz, mas, o “outro mundo” não é inventado simplesmente para consolar, mas para satisfazer uma vontade de vingança, um ressentimento mesquinho em relação ao único mundo real.
A moral cristã é, para Nietzsche, a forma acabada de decadência, de promoção de instintos baixos e nocivos a uma relação saudável com a vida. Através do platonismo foi criado o dogma do “pecado original” para transformar em “mau” o que é saudável e que corresponde aos instintos primordiais da vida. O ódio ao sensível é o seu “ideal”.             

Débeis mas astutos, os padres intoxicaram com a ficção do “pecado original” todos os homens: fracos e fortes. Fizeram com que os fortes avaliassem a sua força inocente na perspectiva dos fracos, tornando-se assim culpados. Em conseqüência deste pensamento “há vergonha em ser feliz no meio de tanta desgraça”. Os pais se sentem culpados de que seus filhos tomem três refeições por dia, enquanto crianças na África passam fome. A partir do momento em que o forte se rende ao juízo do fraco, pensando “Tu és mau, logo eu sou bom”, dá-se o triunfo da “moral” dos fracos, a baixeza transforma-se em nobreza. O cristianismo perverte o significado da palavra “bom”. Esquece-se de que a palavra “bônus” em latim significava também “o guerreiro”. A resignação e a renúncia tornam-se virtudes.
São valores antinaturais que acabam por triunfar através da casta sacerdotal (dos padres), que vão erigir como verdadeira moral o desprezo por tudo o que é sensível e natural, acabando por intoxicar com essa mensagem o homem ocidental. Enquanto o homem não se aperceber de que o “outro mundo” nada vale e que só este é que conta, a sua relação com a vida será doentia, enquanto o homem não se aperceber de que onde cresce a dor e o sofrimento também crescem a felicidade e a alegria, continuará a ser uma realidade doente.

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