domingo, 14 de junho de 2015

Educação de Jovens e Adultos: confrontando com obstáculos

A educação dos adultos que não tiveram oportunidade de completarem os estudos ou mesmo daqueles que não se alfabetizaram ou de jovens que estão fora do período normal de estudo, tem sido o causador de incansáveis debates entre educadores e lideranças ligadas ao ensino. Um projeto criado com a finalidade de atender a essa parcela da população foi a EJA, Ensino de Jovens e Adultos, que pretendia levar aos que não tiveram a oportunidade de estudo, uma chance de atualizarem-se sem gastarem o mesmo tempo do ensino regular. Contudo, tem-se observado uma grande evasão e um abandono administrativo por parte do governo a esse programa. O que tem contribuído para gerar essa problemática?
          Em entrevista a revista GESTÃO ESCOLAR, o pesquisador sobre educação professor Sérgio Haddad analisa o cenário atual da EJA no Brasil, explica por que houve uma queda acentuada nas matrículas nessa modalidade - que caiu de 4,9 milhões em 2001 para 3,9 milhões em 2012, segundo o Censo Escolar - e comenta os desafios que os educadores precisam superar com a crescente presença de jovens nas turmas da EJA.
          O professor Haddad, assumiu em 1974, a direção do chamado curso supletivo de 1º e 2º graus, no Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Em 1989, Haddad deixou o cargo, porém não se afastou da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atualmente, Haddad, ocupa o cargo de assessor da organização não governamental Ação Educativa, diretor-presidente da Fundação Fundo Brasil de Direitos Humanos e membro do Conselho Internacional de Educação de Adultos (Icae), ambos em São Paulo, e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em Brasília.
          Questionado sobre a redução da matrícula na EJA nos últimos anos, o professor Haddad, disse que isso é difícil de entender, pois hoje, é quando mais se direciona financiamentos a esse setor da educação e em contra partida, há no Brasil, mais de 65 milhões de pessoas com 15 anos ou mais sem instrução ou que não concluíram o Ensino Fundamental. A demanda, portanto, deveria ser enorme, mas isso não aconteceu. Haddad reconhece que tem ocorrido, de fato, uma desistência por parte do governo, em relação a esse projeto.
          As evidências da desistência, do projeto EJA, por parte dos sistemas de ensino, podem ser vistas, segundo Haddad, nas barreiras que se criam e dificultam que a EJA dê certo. Como exemplo ele cita que as redes fixam um número mínimo de alunos para formar as turmas no período noturno, que faltam coordenadores pedagógicos especializados na modalidade, que as bibliotecas ficam fechadas e não há iluminação na quadra de esporte à noite, entre outros problemas. Além desses problemas há a falta de divulgação sobre o projeto e os locais onde estão disponíveis.
          O desinteresse em atender a jovens e adultos, além do prazo escolar considerado normal, se dá pela lógica do custo-benefício, comentou Haddad. Segundo ele, fica evidente que a EJA não aos interesses econômicos, prevalecendo, portanto, as óticas da racionalidade e da produtividade em prejuízo da do direito à Educação. A EJA sempre será mais cara e terá turmas menores, pois os estudantes têm dificuldades específicas e isso exige um ensino de natureza diferente.
          Em relação aos avanços que ocorreram nos últimos anos, Haddad respondeu que algumas políticas do governo federal foram mais efetivas para a EJA do que o próprio financiamento do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e outros que garantem livros didáticos, merenda e transporte para os alunos da EJA. Muitos vão à escola direto do trabalho e ter condições de mobilidade e alimentação ajuda muito. Mas apenas isso é insuficiente.
Neste cenário, Haddad, analisou que o diretor de escola tem um papel muito importante em contribuição para a ampliação da EJA com qualidade. Em primeiro lugar, ele e sua equipe, devem evitar fazer da EJA uma mera adaptação do ensino regular, mas devem pensar nela em sua especificidade. Assim o gestor tem que estar disposto a ouvir o aluno que chega à escola à noite e conhecer os desejos, as necessidades e as demandas dele em relação à aprendizagem. Fazendo isso, a equipe gestora, saberá como construir um projeto político-pedagógico, que contemple esse aluno não só no currículo, mas também no espaço e na flexibilidade dos horários.
O trabalho é grande e envolve todos os atores da educação, comentou Haddad, porém este é o caminho: a construção coletiva. Quando isso ocorre, há um enorme prazer em trabalhar em grupo. Além do mais, diz Haddad, a lógica de que o educador é treinado para ensinar e transmitir o conhecimento tem de mudar. Citando Paulo Freire, Haddad pondera o ensino como um processo de mão dupla e coletivo. Na EJA, a colaboração é mais exacerbada porque se lida com pessoas que possuem uma considerável experiência de vida. Quando a bagagem e a diversidade cultural dos alunos, que são riquíssimas, dominam o ambiente escolar, todos se engajam e o prazer pelo conhecimento supera qualquer outro, finalizou Sérgio Haddad.
Nos anos finais de minha graduação, em licenciatura em História, tive a oportunidade de cumprir com o estágio obrigatório, em uma escola que funcionava com o projeto da EJA. Durante o estágio eu tinha a oportunidade de observar que há uma subestimação da EJA como instrumento capaz de realizar mais do uma alfabetização. E apesar de todo o potencial que este programa especial de ensino possui, ele é tratado como uma redução dos conteúdos, uma simplificação educacional, em comparação com o ensino regular, para dar capacitação aos que ficaram de fora do ensino regular, de modo a se fazer uma compensação dos anos fora da sala de aula.
De acordo com Apple (1989) e Bittencourt (2011), há um currículo oculto nas escolas que serve para reforçar as regras que cercam a natureza e os usos do conflito. Os alunos aprendem não apenas o conteúdo explícito no currículo, mas também normas, valores, formas de convivência, que não estão ditos claramente. Nas turmas da EJA há um currículo oculto construindo um tipo específico de aluno. É preciso que se dê atenção a este currículo oculto, como ressaltou Sérgio Haddad, e a partir dele construir um novo currículo que seja mais eficiente em ajudar na qualificação dos alunos.

Referências:
APPLE, Michael W. Currículo e poder. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, v.14, nº 2, jul/dez, 1989, p. 46-57.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011.

HADDAD, Sérgio. Os governos desistiram dos jovens e adultos. Revista Gestão Escolar. Iniciativas. Publicada em 11/08/2014. http://gestaoescolar.abril.com.br/politicas-publicas/sergio-haddad-governos-desistiram-jovens-adultos-762851.shtml acesso em: 16 ago. 2014.

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