sábado, 17 de novembro de 2018

Reinhart Koselleck - Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos - resenha


KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos; tradução do original alemão Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão da tradução César Benjamin. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

Apresentação:

Historie, termo alemão para História, era usado, até a metade do século XVII, para descrever os eventos isolados que poderiam servir como guia ou modelo para situações atuais. Como exemplo, podemos citar a história de Florença, a história da Igreja, a história das Guerras e assim por diante. Até essa época, entendia-se que a experiência humana do passado estava fundamentada em um saber ético do presente.

O termo, historie, sofreu uma mudança, de acordo com as transformações da sociedade humana, durante o Iluminismo, referentes às relações do homem com o tempo, em especial a relação passado-presente. Desta forma, em vez de historie, o termo que passou a ser empregado foi Geschichte, que basicamente designa uma sequência unificada de acontecimentos ou eventos que constituem a marcha da humanidade.

As mudanças semânticas dos conceitos e as transformações proporcionadas pela linguagem atualizada, são os elementos centrais dos estudos desenvolvidos por Reinhart Koselleck, reunidos no livro Futuro Passado. Koselleck, retoma assim, o projeto de Dilthey, que segue uma tradição hermenêutica orientada a reconstruir os significados que se sedimentam nas objetivações empíricas do sentido. Koselleck, segue também os passos de um de seus mestres, Hans-George Gadamer, que entendia a linguagem como sendo “a primeira interpretação global do mundo” que, por sua vez “é sempre um mundo interpretado na linguagem”.

Adepto da escola da “história dos conceitos”, Koselleck, juntamente como Otto Brunner e Werner Conze, seus mestres, organizaram, na década de 1960, o monumental dicionário histórico dos conceitos político-sociais fundamentais da língua alemã, cujo objetivo era conhecer “a dissolução do mundo antigo e o surgimento do moderno por meio de sua apreensão conceitual.

Em sua obra, Koselleck, argumenta que a modernidade é caraterizada por sua nova percepção do tempo. Assim, em termos gerais, os seus ensaios, abrangem a questão do tempo histórico, com sua apreensão e definição.

A história dos conceitos, segundo Koselleck, faz uma análise das transformações históricas de longa duração, especialmente no período entre 1750 e 1850, que marcam a “emergência da modernidade”. O autor abrange também a relação existente entre a história dos conceitos e a história social.

Do ponto de vista historiográfico, a especialização na história dos conceitos teve não pouca influência sobre as investigações conduzidas pela história social. [...] ao longo da investigação da história de um conceito, tornou-se possível investigar também o espaço da experiência e o horizonte de expectativa associados a um determinado período, ao mesmo tempo em que se investigava também a função política e social desse mesmo conceito. Em uma palavra, a precisão metodológica da história dos conceitos foi uma decorrência direta da possibilidade de se tratar conjuntamente espaço e tempo, com a perspectiva sincrônica de análise (KOSELLECK, 2006, p.104).

Portanto, Koselleck, afirma que a história dos conceitos não só contribui para a história social, como, esta disciplina, não poderia ser praticada sem aquela, pelo menos no que se refere ao recorte cronológico analisados em sua obra.

Nascido na Alemanha, em Gorlitz, no ano de 1923, Koselleck, passou pela dura experiência de combater na frente de guerra como soldado do exército de Hitler. Derrotado, foi feito prisioneiro em um campo de concentração russo. Na década de 1950, iniciou-se na carreira acadêmica. Alguns estudiosos, dizem que a obra de Koselleck, devem ser entendidas como uma tentativa de compreender os fundamentos da modernidade, sem, contudo, declinar da necessidade de enfrentar as experiências vividas na segunda guerra mundial.

O livro, de Koselleck, divide-se em três partes: 1) sobre a relação entre passado e futuro na história moderna; 2) sobre a teoria e o método da determinação do tempo histórico; 3) sobre a semântica histórica da experiência. Nos quatorze ensaios que compõem essa obra, o autor, mantem uma questão em comum: o tempo histórico. Porém, para se chegar a esse tema central, Koselleck, faz uma profunda investigação sobre vários aspectos da teoria da história.

O futuro passado dos tempos modernos:

Na primeira parte, o autor, situa o surgimento da modernidade, como estando atrelado ao desenvolvimento das ideias iluministas que, a seu ver, foi uma política austera, “capaz de eliminar lentamente, do campo da formação e da decisão da vontade política, as renitentes esperanças religiosas para o futuro, que então grassavam, depois da desagregação da igreja” (KOSELLECK, 2006, p.29). Segundo o autor, apesar das predições cristãs para fim completo do mundo, o curso das coisas humanas não foi prejudicado, ao contrário, “um tempo diferente e novo foi inaugurado” (KOSELLECK, 2006, p.31). Desta forma,

A partir de então se tornara possível referir-se ao passado como uma idade média. Os próprios conceitos – a tríade Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna – já se encontravam disponíveis desde o Humanismo, mas foram gradativamente disseminados para a história [Historie] apenas a partir da segunda metade do século XVII. Desde então, o homem passou a viver na modernidade, estando ao mesmo tempo consciente de estar vivendo nela (KOSELLECK, 2006, p.31).

Koselleck entende que, “com o advento da filosofia da história” um “incipiente da modernidade desligou-se de seu próprio passado, inaugurando, por meio de um futuro inédito, a nossa modernidade” (KOSELLECK, 2006, p.35). Com essa descrição, O autor, nos fornece, as duas ideias centrais da nossa modernidade: um futuro inédito e um tempo passível de aceleração.

O tempo que assim se acelera a si mesmo rouba ao presente a possibilidade de se experimentar como presente, perdendo-se em um futuro no qual o presente, tornado impossível de se vivenciar, tem que ser recuperado por meio da filosofia da história. Em outras palavras, a aceleração do tempo, antes uma categoria escatológica, torna-se, no século XVIII, uma tarefa do planejamento temporal, antes ainda que a técnica assegurasse à aceleração um campo de experiência que lhe fosse totalmente adequado (KOSELLECK, 2006, p.37).

Desta forma, segundo Koselleck, a modernidade define uma nova forma de relacionamento dos homens com o tempo e, de alguma forma, com a história.

História Magistra Vitae – Sobre a dissolução dos topos na história moderna em movimento:

Ao estudar sobre as transformações conceituais por que passaram os termos “história” e “revolução”, Koselleck, entende melhor a emancipação do futuro em relação ao passado. O autor aponta que, no campo da língua alemã, o termo estrangeiro “Historie” que significava, prevalecentemente, o relato, a narrativa de algo acontecido, foi sendo substituído pela palavra alemã “Geschichte”, significando

[...] originalmente o acontecimento em si ou, respectivamente, uma série de ações cometidas ou sofridas. A expressão alude antes ao acontecimento [Geschehen] em si do que seu relato. No entanto, já há muito tempo “Geschichte” vem designando também o relato, assim como “Historie” designa também o acontecimento. Um empresta seu colorido ao outro. Porém, [...] o termo “Geschichte” fortaleceu-se, ao passo que “Historie” foi excluído do uso geral.

Ao passo que “Historie” caia em desuso, outros sentidos, como o de acontecimento [Ereignis] e de representação afluíam ao termo “Geschichte”, reforçando o seu significado na modernidade.

Outro exemplo, analisado por Koselleck, que ilustra a transformação dos termos com o passar do tempo é o que aconteceu com o conceito de “revolução”. Na época de Aristóteles, este conceito significava, grosso modo, um movimento cíclico ou um retorno. Porém, a partir da Revolução Francesa, de 1789, o entendimento deste termo foi profundamente alterado. Desde então, este termo, representa todas as revoluções, mas tendo como base a Revolução Francesa. Uma evolução, segundo o autor, para a forma de “coletivo singular”.

Esta transformação dos termos citados e de outros, estariam atrelados, de acordo com o autor, à mudança estrutural temporal da história passada. “Cícero, referindo-se a modelos helenísticos, cunhou o emprego da expressão historia magistra vitae”. Esta expressão permaneceu ilesa por cerca de dois mil anos. Por ser uma expressão do contexto da oratória, esta carregava em si o potencial de ser explicativa da vida. “O orador é capaz de emprestar um sentido de imortalidade à história como instrução para a vida, de modo a tornar perene o seu valioso conteúdo de experiência” (KOSELLECK, 2006, p.43).

A partir do século XVIII, a velha e potente história [Historie], passou por transformações radicais, e não somente as mudanças impostas pelos iluministas, mas, de acordo com Koselleck, “isso aconteceu na esteira de um movimento que organizou de maneira nova a relação entre passado e futuro. Foi finalmente “a história em si” [die Geschichte selbst] que começou a abrir um novo espaço de experiência” (KOSELLECK, 2006, p.47). Durante estes acontecimentos a nova história [Geschichte] passa a ter o seu próprio espaço temporal. No lugar do exemplo, premissa da Historia Magistra Vitae, surgem diferentes tempos e períodos de experiência, que são passíveis de alternância. Esta mudança se tornou possível, segundo Koselleck, a partir de uma frase de Tocqueville que caracterizou

[...] o advento de um novo tempo que se inicia. Tocqueville, que em toda sua obra mantém-se atento à experiência do surgimento da modernidade como uma ruptura com a temporalidade anterior, disse: “desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, o espírito humano erra nas trevas. ” A formulação de Tocqueville refere-se a uma censura da experiência da tradição. Atrás dela oculta-se um processo bastante complexo, que seguia sua trajetória ora de uma maneira invisível, lenta e sorrateira, ora repentina e abruptamente, e que por fim foi acelerado conscientemente (KOSELLECK, 2006, p.47-48).

A predominação da nova história [Geschichte] foi, ao mesmo tempo criticada e ressaltada, justamente por que ela se distanciou do caráter científico da repetição e se aproximou ou até mesmo podemos dizer que se transpôs para as fronteiras da poética. Koselleck diz que “passou-se progressivamente a exigir unidade épica também da narrativa histórica” (KOSELLECK, 2006, p.50).

Apesar de ainda ser um exemplo de moral, a nova história [Geschichte], mudou sua “ênfase nos res factae em direção aos res fictiae”. Esta nova realidade histórica pode ser comprovada, segundo o autor, pelo “fato de que também contos, novelas e romances passaram a ser editados com o subtítulo “histoire véritable” [história verdadeira]”. Desta forma, tanto a ficção, quanto “a história real”, compartilham “de uma elevada exigência de verdade, de um conteúdo de verdade do qual a história [Geschichte] vinha sendo privada desde Aristóteles até Lessing” (KOSELLECK, 2006, p.51).

Critérios históricos do conceito moderno de revolução:

A substituição, dos termos referentes a história, sofridas no seio da língua alemã, acusa uma superação, das noções tradicionais de história, que a dotavam da capacidade pedagógica e exemplar: a Historia Magistra Vitae. Já o conceito de “revolução”, que designava, originalmente, um movimento circular, passa a apontar – a partir da Revolução Francesa – para um estado de organização que não mais retornará à sua origem. Abre-se ao desconhecido, inaugura um novo horizonte de expectativa que não mais está desenhado no campo da experiência.

Que características definem o campo semântico do termo “revolução” depois de 1789? Koselleck, passa a citar oito características que possibilitaram essa nova consciência referente a esse termo.

Em primeiro lugar, Koselleck, cita que se deve “registrar como inédito o fato de que a “revolução” se transformou, a partir de 1789, em um “coletivo singular”. Essa mudança é comparada pelo autor com a transformação sofrida pela história, “que abriga, como “história em si” [Geschichte schlechthin], as possibilidades de todas as histórias singulares, a revolução cristaliza-se em um coletivo singular”, que também possibilita todas as revoluções particulares. Desta forma, a revolução adquire um caráter meta-histórico, se distanciando por completo do seu sentido original. Ou seja, “o conceito adquire um sentido transcendental, tornando-se um princípio regulador tanto para o conhecimento quanto para a ação de todos os homens envolvidos na revolução” (KOSELLECK, 2006, p.69).

Em segundo lugar, é preciso levar-se em conta “a experiência de aceleração do tempo”. O autor cita que “quando Robespierre conclamou seus concidadãos a apressar a revolução para trazer a liberdade à força, pode-se enxergar por trás disso um processo inconsciente de secularização das expectativas apocalípticas de salvação” (KOSELLECK, 2006, p.69). Hoje, devido à explosão demográfica e à capacidade técnica, esta é uma experiência política quotidiana.

Em terceiro lugar, “deve-se reconhecer que todos os prognósticos lançados a partir de 1789 caracterizam-se pelo fato de que contém um coeficiente dinâmico ao qual se atribui um caráter “revolucionário”, seja qual for sua origem” (KOSELLECK, 2006, p.70). Houve, portanto, uma disseminação da tendência revolucionária. Todos os movimentos políticos passam a ter o caráter de revolução.

Em quarto lugar, Koselleck, destaca que o contínuo adiamento das perspectivas futuras, adiou também a perspectiva em direção ao passado. “Abriu-se um novo espaço de experiência cujos pontos de fuga remetiam a diferentes fases da Revolução de 1789” (KOSELLECK, 2006, p.70). Cada observador, podia, a partir desse pressuposto, tomar, não a revolução como um todo, mas a parte que mais lhe interessa e, partindo desse ponto tirar conclusões aplicáveis ao futuro. “A revolução, desde então, transformou-se para todos em um conceito perspectivista dentro da história da filosofia, que apontava para uma direção irreversível” (KOSELLECK, 2006, p.71).

Em quinto lugar, na modernidade o conceito de revolução se diferencia quanto ao trajeto, “a passagem da revolução política à revolução social”. Apesar de todos os movimentos políticos terem em si desordens sociais, Koselleck, destaca que a revolução pós 1789 é diferente quanto “a ideia de que o objetivo de uma revolução política seja a emancipação de todos os homens e a transformação da estrutura social” (KOSELLECK, 2006, p.71). O princípio que tornava esse tipo de concepção possível, de acordo com o autor, se pauta na formula cunhada pelo jovem Marx: “toda revolução desfaz a velha sociedade; nesse sentido, ela é social; toda revolução derruba o velho poder; nesse sentido, ela é política” (KOSELLECK, 2006, p.72).

Em sexto lugar, o termo “revolução”, na sua formulação moderna, pretende, “do ponto de vista geográfico, uma revolução universal e, do ponto de vista temporal, uma revolução permanente, até que seus objetivos fossem cumpridos” (KOSELLECK, 2006, p.72). Ora, se é uma revolução que afeta toda a terra, ela terá que durar, pelo menos até que toda a terra seja afetada pelo ideário propagado.

Em sétimo lugar, deve-se levar em conta o entendimento da revolução na modernidade como meta-histórica, a partir dessa compreensão é preciso entendé-la como uma “reivindicação consciente de dominação por parte daqueles que se viram iniciados nas leis de progressividade de uma revolução entendida como tal. Emerge então o termo revolucionamento [Revolutionierung] e o verbo dele derivado, revolucionar” (KOSELLECK, 2006, p.75).

Em oitavo lugar, Koselleck, destaca a “combinação do que uma revolução em curso realiza e do que ela deve realizar”, produzindo o que ele chamou de “a legitimação da revolução”. Stahl, em 1948, criou o termo “revolução absoluta” (KOSELLECK, 2006, p.75), com o objetivo de localizar no próprio movimento revolucionário a legitimação de suas ações.

Ao passo que a legitimidade da Restauração permanecia atada à noção de tradição, a legitimidade revolucionária tornava-se um coeficiente dinâmico, que direcionava a história a partir de determinadas perspectivas do futuro. Ranke afirmava, ainda em 1841, que a “desgraça da revolução é que ela não é ao mesmo tempo legítima”. Já Metternich reconheceu esse estado de coisas de maneira mais precisa, quando observa, em tom sarcástico, que os próprios legitimistas tornaram legítima a revolução (KOSELLECK, 2006, p.75-76).

Portanto, Koselleck, mostra até o momento que é possível deduzir que, da disputa linguística surge uma nova consciência do tempo por partes dos agentes históricos. Chegamos, então, a entender a abordagem de Koselleck quanto ao tempo histórico. O autor nos mostra que ele, o tempo histórico, é uma criação histórica e, portanto, está sujeito a modificações ao longo da própria história. Ademais, como diz Koselleck, “a história dos conceitos, mesmo quando ideologicamente comprometida, nos lembra que a relação entre as palavras e seu uso é mais importante para a política do que qualquer outra arma” (KOSELLECK, 2006, p.77).

História dos conceitos e história social:

Na segunda parte de sua obra, Koselleck, traz um ensaio interessante em que ele empreende uma busca pela possibilidade de determinação temporal, propondo também o estabelecimento de uma relação muito mais complexa entre a história social e a história dos conceitos. Ilustrando a importância de se compreender esse relacionamento difícil, o autor cita as palavras de Epiteto: “não são os fatos que abalam os homens, mas sim o que se escreve sobre eles”. Essa sentença nos lembra “a força peculiar às palavras, sem as quais o fazer e o sofrer humanos não se experimentam nem tampouco se transmitem” (KOSELLECK, 2006, p.97).

A relação entre a história social e a história dos conceitos, na visão do autor, de princípio pode parecer um pouco lasso, pois, enquanto a história dos conceitos “se ocupa, predominantemente, dos textos e vocábulos”, a história social, “se serve dos textos apenas para deduzir, a partir deles, a existência de fatos e dinâmicas que não estão presentes nos próprios textos” (KOSELLECK, 2006, p.97). No entanto, a análise seguinte mostra que a história social, para ser precisa em suas pesquisas, não pode abrir mão das perspectivas teóricas da história dos conceitos.

Por outro lado, apesar da história dos conceitos, ter certa autonomia metodológica, tendo por base os métodos “da história da terminologia filosófica, da gramática e filologia históricas, da semasiologia e da onomasiologia” (KOSELLECK, 2006, p.97), ela não se constitui um fim em si mesma ao passo que as investigações do campo semântico dos principais conceitos de uma sociedade específica, aponta para um resultado polêmico, que se orienta para o presente, assim como para um planejamento futuro. Portanto, a história dos conceitos e a história social, têm em comum, o fato de precisarem determinar quando um conceito específico passou a ser empregado de forma abrangente, possibilitando uma transformação social e política de profundidade histórica.

O método da história dos conceitos é uma condição sine qua non para as questões da história social exatamente porque os termos que mantiveram significado estável não são, por si mesmos, um indício suficiente da manutenção do mesmo estado de coisas do ponto de vista da história dos fatos; por outro lado, fatos cuja alteração se dá lentamente, a longo prazo, podem ser compreendidos por meio de expressões bastante variadas (KOSELLECK, 2006, p.114).

A disciplina histórica emergente, segundo Koselleck, transformou o passado em história, conhecido de forma neutra, por meio de um método especializado. Agora, um pesquisador agencia os fatos do passado em sucessão e lhes oferece um sentido. Esta história abstrata é, portanto, de responsabilidade do homem, é uma criação, que por sua vez, tem um rumo conhecido. Por isso, Koselleck, diz que ocorreu uma fusão da diacronia e da sincronia. A história continua sendo vista de forma estática, não é entendida como dinâmica, como causadora de novidade no futuro. Assim sendo, “a história social que queira proceder de maneira precisa não pode abrir mão da história dos conceitos, cujas premissas teóricas exigem proposições de caráter estrutural” (KOSELLECK, 2006, p.118).

História, histórias e estruturas temporais formais:

A distinção entre palavra e conceito, está intimamente ligada à problemática da singularidade do conceito, como diz Koselleck. O conceito ultrapassa a utilização da língua, está relacionado àquilo que se deseja saber, conhecer, ou seja o seu contexto. O autor, relembra a ideia desenvolvida no terceiro livro das leis de Platão, em que ele, “investigou a história do nascimento da diversidade constitucional daquela época”. A conclusão desta análise é de que o sentido de uma palavra pode ser determinado pelo seu uso. “Platão trabalhou, hoje poderíamos dizer, com hipóteses temporais, de modo a deduzir uma gradação temporal e histórica da história das constituições a partir desta última” (KOSELLECK, 2006, p.124). Portanto, uma palavra se torna um conceito se a totalidade das circunstâncias político-sociais e empíricas, nas quais e para as quais essa palavra é usada, se agrega a ela. Segundo Koselleck, conceitos são vocábulos nos quais se concentram uma multiplicidade de significados. “Tais formas estão sujeitas a condicionamentos, tal como Aristóteles as tinha analisado na política, tendo criado, a fim de transpô-las, um espaço “histórico” em parceria com seu próprio tempo” (KOSELLECK, 2006, p.125).

O significado e o significante, para Koselleck, coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. Ao passo que, em uma palavra temos a possibilidade de significado, em um conceito se encontra uma totalidade de diferentes sentidos. Portanto, o conceito, apesar de ser claro, é sempre polissêmico, possibilitando vários entendimentos.

Nosso moderno conceito de história contribuiu para a consolidação das determinações especificamente histórico-temporais de progresso e de regressão, de aceleração e de retardamento. Por meio do conceito “história em si e para si” o moderno campo de experiência foi apreendido assim, como moderno, sob diferentes pontos de vista. O conceito se articula como um plurale tantun [só plural], um coletivo singular que apreende ao mesmo tempo a interdependência dos eventos e a intersubjetividade dos decursos das ações” (KOSELLECK, 2006, p.131).

Quanto à representação, o autor faz um questionamento “de maneira inversa: em virtude de quais categorias a história, em seu sentido moderno, pode ser diferenciada daquelas regularidades identificadas em processos passíveis de repetição? ” (KOSELLECK, 2006, p.131). A questão que se apresenta é: enquanto narração e descrição, o problema é direcionado para várias dimensões temporais. No entanto, os tempos históricos, nos níveis de extensões temporais não se interpenetram, isto equivale a dizer que, os eventos só podem ser narrados ao passo que estruturas são descritas, apesar de ambos não serem analisados ou dispostos em total distância um do outro.

Representação, evento e estrutura:

Koselleck usa o termo “história estrutural” (KOSELLECK, 2006, p.135), para se referir à estrutura na história social. Essas estruturas, são capazes de ultrapassar o campo das experiências cronologicamente registradas e por serem abrangentes, estas, podem integrar também as experiências de eventos cotidianos. Portanto, no campo da experiência do movimento histórico, estrutura e evento adquirem diferentes extensões temporais. Ao passo que a estrutura se aproxima dos campos da descrição, evento e narração, ocorre uma espécie de articulação, que faz com que o evento preceda a estrutura. Por outro lado, a longo prazo, as estruturas, quando objeto de análise, se torna objeto de narrativa. Sobre este ponto Koselleck diz que:

existem também estruturas que são tão duradouras que permanecem guardadas no inconsciente ou na não consciência daqueles que a viveram, ou cujas alterações se dão a tão longo prazo que escapam ao conhecimento empírico dos atingidos. Aqui, somente a sociologia ou a história como ciência do passado podem dar notícia que conduza para além dos campos de experiência das gerações contemporâneas de então (KOSELLECK, 2006, p.137).

Para o autor, “a representação de estruturas aproxima-se mais da descrição, por exemplo, na antiga estatística do absolutismo esclarecido; já a representação dos eventos aproxima-se mais da narração, de forma semelhante à história pragmática do século XVIII” (KOSELLECK, 2006, p.137). Desta forma, os planos temporais nunca se fundem por mais que se relacionem reciprocamente; dependendo da investigação um evento pode ter significado estrutural e “duração” e, portanto, se tornar um evento. Destacando a importância da utilização das estruturas, Koselleck, diz que sem a utilização de tais, ou seja, se valendo apenas da narração, haveria uma diminuição da história. Por outro lado, evento e estrutura, dependendo do nível estrutural a que se encontram, se tornam abstratos ou concretos e não podem ser narrados. Desta forma, o autor raciocina que, somente a partir da aproximação dos conceitos de evento, estrutura e história como ciência é que se pode fazer uma representação histórica que permita compreender e conceitualizar o passado.

Nenhum evento pode ser relatado, nenhuma estrutura representada, nenhum processo descrito sem que sejam empregados conceitos históricos que permitam “compreender” e “conceitualizar” [“begreifen”] o passado. Ora, toda conceitualização [begrifflichkeit] tem alcance mais vasto do que o evento singular que ela ajuda a compreender. As categorias empregadas na narração de um evento singular, por meio da linguagem, não possuem a mesma unicidade temporal que pode ser atribuída ao próprio evento. À primeira vista, essa afirmação é trivial. Entretanto, ela deve ser lembrada para elucidar a exigência estrutural que decorre do emprego não usual de conceitos históricos (KOSELLECK, 2006, p.142).

A história busca transmitir a verdade, para alcança-la é preciso defender algum ponto de vista – algo dos tempos modernos. A história toma algum ponto de vista, mas ela precisa, além de fazer afirmações verdadeiras, admiti-las e relativizá-las. A história busca se defender apresentando êxitos com seus novos métodos (diversidade de fontes) e criticando o subjetivismo e o relativismo.

O acaso como resíduo de motivação na historiografia:

Koselleck analisa o acaso como resíduo de motivação na historiografia e as modificações sofridas por esse termo, tanto no que diz respeito ao seu uso no texto quanto a apropriação feita pelo historiador. Esse conceito, acaso, segundo o autor, aparece em várias obras historiográficas e pode ser “avaliado a partir de um modelo fundamentado na regularidade das ciências naturais, o acaso parece constituir essência de toda história, mas o caráter datado dessas fórmulas salta aos olhos” (KOSELLECK, 2006, p.147).

O acaso, portanto, é, segundo Koselleck, uma categoria a-histórica, que se encontra prioritariamente no presente. Sua utilização na historiografia marca uma inconsistência de dados, a enunciação de algo hipotético ou uma avaliação pessoal sobre um evento. O autor compara ainda, acaso com fortuna ou sorte, colocando os dois termos dentro do campo mítico, desde o estabelecimento da história moderna.

La Fortune et le hasard sont des mots vides de sens [A Fortuna e o acaso são palavras vazias de sentido], constatou o jovem Frederico; brotaram da cabeça dos poetas e se originaram na mais profunda ignorância de um mundo que deu nomes imprecisos [des noms vagues] a efeitos de causas desconhecidas.

Ponto de vista, perspectiva e temporalidade – Contribuição à apresentação historiográfica da história:

O tempo histórico, pode ser entendido, como cita Koselleck, porém, para que se possa ter um dimensionamento histórico desse tempo é preciso considerar a assimetria existente entre futuro e passado, paralelamente à noção de progresso e de modernidade – como tempo ou momento histórico – fazendo crescer assim, o hiato entre as duas dimensões, formando a hipótese teórica central de que é possível organizar a vastidão de dados dos materiais de pesquisa e produzir um sentido.

Koselleck faz uso das metáforas do espelho, do reflexo ou da verdade nua, referindo-se à visão de contemporaneidade, que está baseada no fundamento da experiência pessoal vivida no tempo presente, o qual, em sua concepção historiográfica, valia-se do recurso das testemunhas oculares.

Um indício inequívoco desse realismo ingênuo, que acredita poder fazer com que a verdade das histórias se manifeste intacta, é a metáfora do espelho. A imagem que o historiador, semelhante ao espelho, deve refletir não deve ser deturpada, empalidecida ou deformada. [...] Uma variante igualmente comum da despreocupação com o ponto de vista epistemológico está a alegoria da “verdade nua e crua”. Neste ponto, não se deve subestimar o impulso, de caráter duradouro, que se expressa a partir dessa metáfora, ou seja, o de permitir que a verdade de uma história fale por si mesma, se quisermos que essa verdade seja de fato conhecida e surta seus devidos efeitos (KOSELLECK, 2006, p.164).

A partir destes conceitos, o historiador foi obrigado a interrogar, em primeira instância, testemunhas oculares, e, em seguida, testemunhas auditivas sobreviventes, de modo a poder investigar fatos e atos verdadeiros. Com o uso da retórica, da poética, dentre outras, o historiador se torna uma espécie de artista, colocado na posição de receptor e condutor de interrogatórios; ao mesmo tempo mantendo-se imparcial e distante.

Koselleck aponta uma dualidade para o historiador: a teoria da história e a realidade das fontes. A ciência histórica leva indagações às suas fontes capazes de permitir a articulação de uma série de eventos que se situam além do que está posto do documento. Sua exegese se dá quando o historiador passa a observar processos e estruturas de longo prazo. Decidir sobre a interpretação de uma história sob o ponto de vista teológico ou econômico não é tarefa relacionada à pesquisa de fontes, é uma questão de premissas teóricas. A partir do estabelecimento dessas premissas é que as fontes começam a falar.

Uma fonte não pode nos dizer nada daquilo que cabe a nós dizer. No entanto, ela nos impede de fazer afirmações que não poderíamos fazer. As fontes têm poder de veto. Elas nos proíbem de arriscar ou de admitir interpretações as quais, sob a perspectiva da investigação de fontes, podem ser consideradas simplesmente falsas ou inadmissíveis. Datas e cifras erradas, falsas justificativas, análises de consciência equivocadas: tudo isso pode ser descoberto por meio da crítica de fontes. As fontes nos impedem de cometer erros, mas não nos revelam o que devemos dizer (KOSELLECK, 2006, p.188).

Sobre a semântica histórica da experiência:

Nesta última parte de sua obra, Koselleck, passa a analisar alguns pares de conceitos antitéticos e assimétricos, como: helenos e bárbaros; cristãos e pagãos; homem e não-homem. Uma interessante abordagem feita pelo autor está relacionada com os conceitos de experiência e expectativa. Para Koselleck, tanto a expectativa quanto a experiência, são categorias capazes de entrecruzar o futuro e o passado. Desta forma, são utilizadas por ele, como instrumentos para lidar e tematizar aquilo que ele chama de tempo histórico, “pois, enriquecidas em seu conteúdo, elas dirigem as ações concretas no movimento social político” (KOSELLECK, 2006, p.308).

Os argumentos, apresentados pelo autor, nestes ensaios finais, reforçam a tese de que a história somente se tornou disponível ao homem quando, do ponto de vista histórico-linguístico, as várias histórias (Historie), se transformaram em uma única história (Geschitchte), o que indicaria um novo espaço de experiência e um novo horizonte de expectativa.  Em outras palavras, isto equivale a dizer que a “história em si” este “singular coletivo” (Geschichte), reunia, a partir de agora, a soma de todas as histórias individuais dentro de uma história universal. Esse conceito possibilita, de prontidão, um maior grau de abstração, uma vez que se reuniu num único conceito uma realidade universal, com uma reflexão totalitária sobre essa realidade.

A construção da história, se dá, a partir do confronto com os vestígios, que carregam traços que podem ser remontados pelo historiador por meio do uso de interpretação dos conceitos. O pesquisador, como que mergulha no passado, ultrapassando suas próprias vivências e recordações, conduzido por perguntas, desejos, esperanças e inquietudes para transformar os vestígios em fontes que dão testemunho da história que ele deseja apreender. Neste ponto, Koselleck, diz que a linguagem das fontes passa a dar o acesso heurístico para a compreensão da realidade passada.

Na gênese da história singular coletiva (Geschichte) todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das que atuam ou que sofrem. Como menciona Koselleck: “a expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto” (KOSELLECK, 2006, p.310). Portanto, experiência e expectativa constituem-se em formas diferentes, não se coincidindo ao ponto de serem previstas.

Isto pode ser explicado por uma frase do conde Reinhard, que em 1820, depois do inesperado retorno da revolução na Espanha, escreveu a Goethe: “Tendes toda razão, meu caro amigo, no que dizeis a respeito da experiência. Para os indivíduos ela sempre chega tarde demais, para os governos e para o povo ela nunca está disponível” (KOSELLECK, 2006, p.310).

Koselleck, acusa a visão iluminista de mundo, pois ao enxergar o homem fora de suas experiências, toda a Europa foi levada ao pesadelo do Holocausto. Na opinião do autor, a história não é capaz de fornecer exemplos para a vida. Ao contrário, ela pode revelar experiências traumáticas e desastrosas.

Conclusão:

A relação futuro passado, na visão do autor, parece ter se acentuado no contexto da revolução francesa. Nesta ocasião, a experiência do novo, o imprevisto e o tempo histórico sofreram uma mudança de orientação e, por este motivo, Koselleck, faz uma análise mais demorada deste período, observando como esta nova consciência teria se manifestado, pela linguagem, na criação de conceitos de movimentos que pareciam emancipados do passado: ruptura radical, que marca ainda hoje nossa relação com o passado e com o futuro. Ou como dito pelo autor: com o tempo histórico.

Utilizando-se de uma terminologia antropológica, Koselleck, conclui que “entre experiência e expectativa, constitui-se algo como um ‘tempo histórico’” (KOSELLECK, 2006, p.16). Isto é, na forma como cada geração lidou com o seu passado (formando seu campo de experiência) e com seu futuro (construindo um horizonte de expectativa) surgiu uma relação com o tempo que permite que o caracterizemos como tempo histórico. Contudo, a modernidade, diz Koselleck, caracteriza-se pelo progressivo afastamento entre experiência e expectativa:

Passado e futuro jamais chegam a coincidir, assim como uma expectativa jamais pode ser deduzida totalmente da experiência. Uma experiência, uma vez feita, está completa na medida em que suas causas são passadas, ao passo que a experiência futura, antecipada como expectativa, se decompõe em uma infinidade de momentos temporais (KOSELLECK, 2006, p.310).

O tempo, neste novo entendimento, passa a ser não apenas histórico, mas historicizado, uma vez que a forma como cada geração trata desta relação entre futuro passado, irá alterar a realidade a ser vivida. Assim, à medida que o homem experimenta o tempo como uma expectativa, um sempre inédito, um tempo moderno, o futuro se torna irreconhecivelmente desafiador.

Sem prejuízo do chiste político, também aqui se pode mostrar que o que se espera para o futuro está claramente limitado de uma forma diferente do que foi experimentado no passado. As expectativas podem ser revistas, as experiências feitas são recolhidas. Das experiências se pode esperar hoje que elas se repitam e sejam confirmadas no futuro. Mas uma expectativa não pode ser experimentada de igual forma. É claro que nossa expectativa do futuro, quer seja portadora de esperança ou de angústia, quer preveja ou planeje, pode refletir-se na consciência. [...] Sempre as coisas podem acontecer diferentemente do que se espera: esta é apenas uma formulação subjetiva daquele resultado objetivo, de que o futuro histórico nunca é o resultado puro e simples do passado histórico (KOSELLECK, 2006, p.311,312).

Em uma visão geral, podemos concluir que o autor está revestido de um certo grau de pessimismo. Talvez, este sentimento tenha sido aflorado, em Koselleck, devido a atmosfera que pairava sobre a Europa, nos anos 1960 e 1970, fortemente marcados pelo movimento de “contracultura” e pelo descrédito da razão iluminista, levando o historiador a empreender um movimento de frenagem do progresso técnico-mecanicista, que tinha seu suporte político no liberalismo e era conduzido por um futuro nada certo.

2 comentários:

Por um momento estivemos juntos, ligados pelas ideias. Foi muito bom! Nos encontramos em breve! Tchau!

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