Uma
pessoa que diz brejeirices pode ser alguém que tenha uma origem simples e um
linguajar comum. Contudo, ao iniciar a décima primeira carta, Critilo, narra as
brejeirices de Minésio, não no sentido de um indivíduo brincalhão, engraçado,
simples. Mas, sim, no sentido de uma pessoa desonesta nas palavras e nas ações,
um homem que não possui honradez; um sujeito biltre; um patife.
Aqui,
aqui de tudo se murmura:
Só
se livra da língua venenosa,
O
que contrata em vendas de despachos,
E
quem se alegra ao ver que a sua moça
Ajunta
pela prenda um par de oitavas:
Que
os membros do Congresso são prudentes
Não querem que alguns dos companheiros
Tomem
essa conversa em ar de chasco. (p.159)
A
corja desprezível de lacaios de Fanfarrão se junta para caçoar das pessoas de
bem e para se gabarem de suas peraltices, que nada mais são do que maldades
contra o povo simples e comum. Critilo denuncia que, a maioria dos servidores
de Minésio pessoas sem caráter, sem nenhuma nobreza, apenas ostentam uma
aparência. Já no caso do governante impiedoso, apesar de sua origem casta, seus
feitos não se tornam admiráveis, ao contrário são desprezíveis.
[...]
Por
isso, às vezes, nascem os mochilas
Com
brios de fidalgos; outras vezes
Os
nobres com espíritos humildes,
Só
dignos de animarem vis lacaios.
O
nosso Fanfarrão, prezado amigo,
Vos
dá mui boa prova: não se nega
Que
tenha ilustre sangue; mas não dizem
Com
seu ilustre sangue as suas obras. (p.160)
Com
o mal exemplo de Minésio, prevalecia em toda Chile a exploração nos diversos
níveis da vida. O autor, Gonzaga, queixa-se da ganância da prostituta Olaia: “Maldita
sejas tu, Harpia Olaia, que enquanto não abria a minha bolsa, não mostrava
também alegre os dentes!” (p.164). AS Harpias, que significa arrebatadoras,
eram criaturas representadas ora como formosas e sedutoras mulheres com longas
unhas, ora como terríveis monstros com corpo de ave de rapina, rosto de mulher
e seios. Elas raptavam o corpo dos mortos para usufruir de se amor, por isso
eram representadas nos túmulos como se estivessem à espera do morto, sobretudo
dos jovens para arrebata-los. Eram cruéis e violentas, sendo relacionadas aos
ventos destruidores, aos ciclones e às tormentas. Por onde passavam, as Harpias
causavam a fome arrebatando a comida das mesas e espalhando um cheiro
pestilento que ninguém conseguia retornar por onde elas tivessem passado. Difundiam
a sujeira e a doença; era inútil afugentá-las pois elas voltavam sempre.
Critilo,
por fim, completa sua denúncia contra Minésio, o Fanfarão:
[...]
Agora
inquirirás, prezado amigo,
Se
é este sábio bispo aquele mesmo,
Que
o bruto Fanfarrão um certo dia
Meteu
na sua sege do lado esquerdo.
É
este, sim, senhor, o mesmo bispo,
A
quem o nosso chefe desalmado,
Enquanto
governou a nossa Chile,
Já
dentro de palácio, e já na rua
Tratou
como quem trata um vil podengo (p.167).
Por dizer que o bispo fora tratado como um vil
podengo, Critilo, se referia à forma como se trata um cachorro. Um podengo, era
uma espécie de cachorro que caça coelhos, uma espécie pequena de cachorro.
Portanto, como se vê,
o governador de Chile, com seus desacatos formais, de ordem externa, demonstra
uma consciente mentalidade anticlerical, concebida e desenvolvida pela leitura
dos corifeus da incredulidade, principalmente os enciclopedistas, como parece
acontecer com esse desabusado “libertino”, que se mostrou ser, Minésio. Um chefe
cruel que não demonstra respeito nem aos homens, nem aos céus.