O que você faria se
si confrontasse com uma cena destas? Agiria de modo indiferente, como se esta
cena fosse costumeira do dia-dia, ou até mesmo fizesse parte da paisagem?
Qual a sua reação ao
olhar esta foto? Desperta em você sentimentos de nostalgia? Ou só consegue
pensar que talvez esse casal esteja obstruindo a passagem de pedestres
apressados com seus afazeres diários que os consome miseravelmente...
Para os românticos essa é uma cena perfeita, um lindo casal em público, várias testemunhas, a paisagem exuberante da Paris dos anos 1950, a névoa, o movimento, o frio, tudo que se precisa para uma demonstração do amor eterno enquanto dure... Para os cépticos uma montagem, uma tentativa de resgate de algo que não mais existe, ou que talvez nem tenha existido.
Contrariando os
românticos, como eu, que preferem pensar que os amantes foram captados, pela
lente fotográfica, de surpresa, em seu momento de paixão, lamento informar que
na verdade, a fotografia foi encenada. Françoise Bornet e o namorado, Jacques
Carteaud, concordaram em posar para o fotógrafo Robert Doisneau, que batizou a
imagem de “Le Baiser de l’Hotel de Ville”. O fotógrafo francês estava trabalhando em uma
série de fotografias sobre amantes em Paris para a Life quando viu o casal de
namorados perto da escola onde os dois estudavam teatro.
Robert Doisneau
mencionou em uma entrevista de 1992, que “jamais teria ousado fotografar
pessoas assim... amantes a beijarem-se em plena rua. Esses casais raramente são
autênticos”. Concorda você com esta opinião? Vivemos o fim do romantismo
apaixonado? Será que aquela falta de ar, aquele fogo que incendeia o organismo,
o palpitar acelerado do coração, o desejo ardente - características tão
marcantes da paixão e tão inspiradoras das ações mais inesperadas –
simplesmente se tornaram tão raras, que não podem ser autênticas?
A impressão original desta famosa fotografia foi leiloada em paris. Françoise Bornet decidiu leiloar o original para financiar uma companhia produtora de filmes que pretende abrir com o marido. A leiloeira Dassault esperava que a fotografia em preto e branco fosse arrematada por cerca de 20 mil euros, no entanto ela chegou a ser vendida pela impressionante cifra de 155 mil euros, quase dez vezes o valor esperado. O comprador? Um colecionador suíço, não identificado, segundo os leiloeiros de Paris, Artcurial-Briest-Poulain-Le citados pela agência de notícias Associated Press.
Um fato interessante
sobre a foto é que ela ficou nos arquivos da agência fotográfica em que
Doisneau trabalhou mais de 30 anos, até ter sido comprada por uma empresa de pôsteres,
e reaparecer para a fama. A fotografia tornou-se um ícone em todo o mundo. O sucesso
foi tanto que moveu vários casais a reivindicarem a autoria protagonistas da fotografia.
Depois de mais de 40
anos na obscuridade, Françoise Bornet reapareceu e encontrou-se com Doisneau. Ela
mostrou-lhe a impressão original – que traz a assinatura autêntica do fotógrafo
e seu selo – que ele lhe enviara apenas alguns dias após ter tirado a
fotografia.
Porque essa fotografia se tornou tão famosa? O que fez dela esse sucesso todo? Gosto de pensar que seja porque as pessoas ainda prezem as ações românticas. Gosto de pensar que, ao arrematar a fotografia, pelo valor excepcional, o colecionador suíço, tenha sentido que ele precisava ter uma representação de algo tão forte no ser humano. Gosto de pensar que apesar do racionalismo que existe hoje, ainda queremos ser despretensiosamente apaixonados. Queremos beijar, abraçar, sentir o cheiro da pessoa amada, amar... Amar intensamente, pelo tempo que durar.
Ah!
Françoise Bornet e o então namorado, Jacques Carteaud que se tornou produtor de vinhos, nunca se casaram...