quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Morte do Zé Arara


A Morte do Zé Arara[1]
A viola produzia sons desvairadamente fortes, agitada pelos grossos dedos do Aniceto.
E logo em seguida uma estrophe bem rimada elle atirava aos ouvidos dos seus companheiros de festa.
O sapateado daqueles filhos do sertão fazia um barulho ensurdecedor, e as palmas batidas ao mesmo tempo e sem discrepância de compasso, produziam echos que se perdiam pelas quebradas das mattas.
O Germano com uma toalha enrolada no pescoço trazia uma peneira transbordando de grossos e amarellos biscoutos de polvilho, que elle ia oferecendo aos convidados.
Todos se regosijavam na festa de S. João, naquelle dia.
Só o Zé Arara não parecia estar tranqüilo!...
O seu insticto perverso e a sua má conducta o tornaram um rapaz desconfiado.
A sua ousadia o fazia temido pelas famílias honestas.
Os homens o detestavam, porque sabiam que elle, por sua brutalidade, coragem e valentia era, capaz de fazer saltar os miolos do seu próprio pae, se este tentasse contrariá-lo.
Por felicidade não tinha matado o Jeronymo do Miguelinho, com quem tivera uma discussão por causa de uma linda mocinha, por quem ambos estavam perdidos de amores.
Porem ella só correspondia ao Jerominho (como ella o chamava) rapaz de bons sentimentos e que pouco apreço dava a sua vida, em se tratando da defesa da sua honra ou daquelles por quem tinha verdadeiro afecto.
E naquella noite, os dous mais aterrados inimigos daquella zona deviam se encontrar e ao Zé Arara quando tinha ódio ninguém era capaz de tolher o caminho.
Súbito, ouve-se um tiro e mais outros, sendo respondido pelo festeiro, que não queria ficar queimado.
O Jeronymo estava chegando.
Conforme o uso da terra, aquelle que desse o último tiro entre festeiro e recém chegado, ganhava o combate e era isto motivo de bastante alegria.
O Jeronymo não queria perder naquelle dia.
E de fato os últimos três tiros foram dados por elle e o Zé, que aguardava aquelle momento para o desenlace de sua questão, julgando-o desprevenido, foi logo lhe atirando palavrões insultuosos esquecendo-se talvez de que todo homem sertanejo nunca esquece em casa a larga e afiada faca.
O Jeronymo, de um salto, enterrou a sua até ao caba no peito do seu inimigo, dizendo ao mesmo tempo: “Toma e vae sombrá o Zidoro”!...
Elle dava já os últimos suspiros na ancia da morte.
Todos os seus inimigos presentes detonavam sobre seu corpo as suas armas.
A Onça daquelas redondezas não tivera tempo nem sequer de sacar a sua velha e inseparável chumbeira.
Uns trinta tiros elle havia recebido na cabeça quando um dos seus mais acérrimos inimigos, que estava na cosinha, ouvindo os tiros e gritos, correra para a porta da tolda gritando ao mesmo tempo: “Não atira no falo do bicho qu’eu quero o cuaio”. .......................................
No outro dia, ao romper d’aurora, dous negros atiravam o corpo do Zé Arara em uma sepultura feita a margem da estrada, à beira da mais próxima cabeceira.
É verdade, compadre João, dizia um delles, este rapais foi um doido maginava que podia cum todo mundo!...
Ora ocê já num viu falá que nunca viu arraia de valente e que sipultura tem muita?...
O echo das últimas palmas do cateretê ainda se fez ouvir naquelle momento.
Rio Verde, 26-7-1922


[1] Extraído do periódico “O Picapau”, da cidade de Jataí, publicado em 6 de agosto de 1922.

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