A
Morte do Zé Arara[1]
A viola produzia
sons desvairadamente fortes, agitada pelos grossos dedos do Aniceto.
E logo em
seguida uma estrophe bem rimada elle atirava aos ouvidos dos seus companheiros
de festa.
O sapateado
daqueles filhos do sertão fazia um barulho ensurdecedor, e as palmas batidas ao
mesmo tempo e sem discrepância de compasso, produziam echos que se perdiam
pelas quebradas das mattas.
O Germano com
uma toalha enrolada no pescoço trazia uma peneira transbordando de grossos e
amarellos biscoutos de polvilho, que elle ia oferecendo aos convidados.
Todos se regosijavam
na festa de S. João, naquelle dia.
Só o Zé Arara
não parecia estar tranqüilo!...
O seu insticto
perverso e a sua má conducta o tornaram um rapaz desconfiado.
A sua ousadia o
fazia temido pelas famílias honestas.
Os homens o
detestavam, porque sabiam que elle, por sua brutalidade, coragem e valentia
era, capaz de fazer saltar os miolos do seu próprio pae, se este tentasse
contrariá-lo.
Por felicidade
não tinha matado o Jeronymo do Miguelinho, com quem tivera uma discussão por
causa de uma linda mocinha, por quem ambos estavam perdidos de amores.
Porem ella só correspondia
ao Jerominho (como ella o chamava) rapaz de bons sentimentos e que pouco apreço
dava a sua vida, em se tratando da defesa da sua honra ou daquelles por quem
tinha verdadeiro afecto.
E naquella
noite, os dous mais aterrados inimigos daquella zona deviam se encontrar e ao
Zé Arara quando tinha ódio ninguém era capaz de tolher o caminho.
Súbito, ouve-se
um tiro e mais outros, sendo respondido pelo festeiro, que não queria ficar
queimado.
O Jeronymo
estava chegando.
Conforme o uso
da terra, aquelle que desse o último tiro entre festeiro e recém chegado,
ganhava o combate e era isto motivo de bastante alegria.
O Jeronymo não
queria perder naquelle dia.
E de fato os
últimos três tiros foram dados por elle e o Zé, que aguardava aquelle momento para
o desenlace de sua questão, julgando-o desprevenido, foi logo lhe atirando
palavrões insultuosos esquecendo-se talvez de que todo homem sertanejo nunca
esquece em casa a larga e afiada faca.
O Jeronymo, de
um salto, enterrou a sua até ao caba no peito do seu inimigo, dizendo ao mesmo
tempo: “Toma e vae sombrá o Zidoro”!...
Elle dava já os
últimos suspiros na ancia da morte.
Todos os seus
inimigos presentes detonavam sobre seu corpo as suas armas.
A Onça daquelas
redondezas não tivera tempo nem sequer de sacar a sua velha e inseparável chumbeira.
Uns trinta tiros
elle havia recebido na cabeça quando um dos seus mais acérrimos inimigos, que
estava na cosinha, ouvindo os tiros e gritos, correra para a porta da tolda gritando
ao mesmo tempo: “Não atira no falo do bicho qu’eu quero o cuaio”.
.......................................
No outro dia, ao
romper d’aurora, dous negros atiravam o corpo do Zé Arara em uma sepultura
feita a margem da estrada, à beira da mais próxima cabeceira.
É verdade,
compadre João, dizia um delles, este rapais foi um doido maginava que podia cum
todo mundo!...
Ora ocê já num
viu falá que nunca viu arraia de valente e que sipultura tem muita?...
O echo das últimas
palmas do cateretê ainda se fez ouvir naquelle momento.
Rio Verde,
26-7-1922
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