Geladeira! Esta sim foi uma
invenção que mudou o mundo. O que seria do mundo moderno sem a geladeira? E
como era o mundo antes da invenção dela? Acho que o mundo pode ser dividido em
antes e depois da geladeira. Mas, se pensarmos bem, a noção de geladeira sempre
existiu. Em cada época tinha a sua maneira, mas do seu jeito cada povo teve a
geladeira que merecia. Eu, pessoalmente, acho a geladeira, a maior invenção do
homem, superior até a descoberta do fogo, muito mais importante do que a ida a
lua, só empata com a invenção da esfera de tungstênio, que são aquelas bolinhas
que ficam na ponta das canetas esferográficas, que muitos chamam de Bic, e que
fazem a tinta sair na medida exata para se escrever. Pense em como era difícil
a escrita com as canetas tinteiros, ou com as penas... Iiihhh... A pessoa tinha
que ser um verdadeiro artista.
Mas, deixando de lado as
esferas de tungstênio, voltemos à geladeira, que terá logo mais sua importância
supervalorizada. Estudiosos dizem, e eu não duvido, que quando os antigos
romanos precisavam guardar algum alimento que necessitasse de refrigeração,
como o leite, por exemplo, normalmente eles procuravam as cavernas próximas de
seus domus (casa em latim). Com o passar do tempo, eles passaram a construir em
suas casas, espaços destinados exclusivamente a esta finalidade, ou seja,
cômodos especiais que eram covas de gelo que, em geral, ficavam próximas aos
porões.
Com certeza, essas covas,
nada mais eram que enormes geladeiras, capazes de armazenar suprimentos para o
ano todo. As mulheres, donas de casa operosas e praticas, viam neste modelo
primitivo de geladeira um empecilho muito grande, pois não se podia mudar a
geladeirona de lugar e nem tão pouco lavar o congelador com a mangueira de jardim
ou coisas assim.
Na era contemporânea,
pode-se dizer que as primitivas geladeiras domésticas surgiram pela primeira
vez nos Estados Unidos, em 1850. Elas nada mais eram do que um armário de
madeira forrado de ardósia por dentro. No inverno, os blocos de gelo eram
cortados dos rios e lagos congelados e armazenados nestas geladeiras.
Entretanto, foi apenas em
1910 que as geladeiras começaram a tomar a forma como as conhecemos atualmente.
Nesta época, a eletricidade passou a desempenhar um papel fundamental no
princípio da conservação da temperatura no interior da geladeira, assim como o
freon, um composto não tóxico e não inflamável presente hoje em geladeira e
aparelhos de ar condicionado.
Alguns, porém, preferem a
versão de que a primeira geladeira teve sua invenção ocasionada pela cerveja.
Cansados de tomar o produto quente ou no máximo em temperatura ambiente,
australianos, em 1856, contrataram o também australiano James Herrison para
elaborar um sistema que refrigerasse e mantivesse a temperatura do produto
baixa, usando o princípio da compressão de vapor. Mas essa versão não se
sustenta, quando se leva em conta que os inventores seriam australianos e não
brasileiros, que são os maiores consumidores de cerveja do mundo, e com certeza
inventariam qualquer coisa pra manter o produto na temperatura ideal, ou seja,
pra manter a “Loira Gelada”!
Mas este não é o caso,
australianos, americanos, ingleses, japoneses, ou seja, lá quem tenha inventado
a geladeira, essa foi de longe a idéia mais brilhante do milênio. A geladeira
deslumbrou o mundo e mudou a rotina em milhões de lares modernos. Em 1927, a
“General Eletric”, lançou um modelo que vendeu de uma tacada só, mais de um
milhão de geladeiras, tornando popular o produto. Outras fábricas também
tiveram uma participação na popularização da geladeira, tais como a Electrolux
e Frigidaire.
Na década de 70, já era um
produto comum em lares de classe média baixa, Como lá em casa, por exemplo. Tem
um ditado que diz que a primeira geladeira ninguém esquece, e de fato eu me
lembro até hoje de nossa primeira geladeira, uma Frigidaire amarelo ouro, com
seu corpinho de uns 1,30m de altura, por 0,80m de largura e 0,70m de fundura,
um verdadeiro caixotinho! Mas, por favor, não deixe meu tio Dimitrius ficar
sabendo que falei isso! Deus me livre! Ele é capaz de brigar comigo. Isso seria
uma ofensa a sua primeira paixão. O quê? Vocês não sabiam que a Frigidaire lá
de casa foi à primeira paixão do tio Dimitrius? Aliás, acho que ainda é a única
paixão dele.
Foi assim, nós éramos uma
grande família de oito filhos, três homens e cinco mulheres. Meu tio Dimitrius,
que era o caçula da família, veio morar conosco, para terminar os estudos e
conseguir um bom emprego. Meus avôs moravam na fazenda e não queriam que o tio
Dimitrius seguisse o mesmo caminho deles, ou talvez tenha sido o tio Dimitrius
que não tivesse vocação pra trabalhos na fazenda... Não sei ao certo, mas o
fato é que ele morava conosco por ocasião da compra da “Gertrudes”, nome
carinhoso com que meu tio Dimitrius batizou a nossa primeira geladeira
Frigidaire.
Foi paixão ao primeiro gole
de água gelada! Ela era um sucesso! Mas, paixão por uma geladeira convenha que
não fosse muito normal, e isso causou muitos problemas de relacionamentos na
vida do meu tio. Em primeiro lugar, a paixão que ele sentia não era
correspondida. A “Gertrudes”, por mais empatia que sentisse pelo tio Dimitrius,
não deixava de sentir o mesmo por outras pessoas. Ela era sempre tão solícita,
tão atenciosa, fornecia água gelada para todos e isso deixava o tio Dimitrius
muito triste.
Também, sempre que meu tio
tentava se aproximar de uma garota, ele começava a tratá-la como se ela tivesse
que ser ligada em 220 v, e que fosse capaz de gelar água, uma loucura! As
meninas, claro, pegaram trauma do tio Dimitrius, algumas tiveram que até fazer
tratamento com psicólogo. Nem preciso dizer que meu tio nunca se casou e nem
sequer arrumou namorada até hoje, e olha que ele é bem afeiçoado e educado.
Além do tio Dimitrius, toda
nossa família tinha uma verdadeira admiração pela “Gertrudes”, nós crescemos
tendo ela como referencial, ela influenciou nosso aprendizado e nos
proporcionou muitos momentos felizes.
Lembrei-me de uma ocasião,
que minha irmã caçula, de apenas quatro anos de idade, sumiu... Simplesmente
não a encontrávamos em nenhum lugar, foi um desespero total. A criançada correu
por toda a vizinhança, o tio Dimitrius desceu ao centro da cidade, com medo de
que alguém a tivesse raptado. Na vizinhança, não a encontramos. Próximo de casa
tinha muitos lotes vagos e o capim crescia muito, era uma verdadeira savana
africana, eu e meus irmãos brincávamos muito ali, fazíamos trilhas,
esconderijos, e nossa imaginação corria solta, imaginávamos estar na África e
tínhamos que enfrentar vários animais perigosos. Uma aventura e tanto.
Rapidamente percorremos
todas as trilhas, fomos a todos os esconderijos, e nada de encontrar a
caçulinha. Onde teria se metido essa menina? Meus pais fizeram uma minuciosa
procura em casa e também no quintal, mas nem sinal dela. Procuraram até no galinheiro,
aonde todos os dias ela ia com minha mãe pra pegar ovos. Ela simplesmente não
estava em nenhum destes lugares.
Todos nós, a criançada, o
tio Dimitrius, meus pais, nos encontramos, em nosso Quartel General, na
cozinha, ao lado da Gertrudes, para decidirmos o que fazer, e quão grande foi
nossa surpresa quando o tio Dimitrius abriu a geladeira para pegar água e quem
estava lá dentro? A própria caçulinha. Uuufffááá!!! Que alivio sentimos! Na
correria, no desespero, ninguém prestou atenção que o nosso cachorrinho, o
Xampu, estava o tempo todo ao lado da “Gertrudes”, ele não larga da minha irmã
caçulinha. Com certeza ele viu quando ela se trancou na geladeira e ficou ali
esperando ela sair e também para nos avisar que ela estava ali. Foram só risadas.
Mas ninguém conseguiu até hoje explicar como uma criancinha de quatro anos
conseguiu se trancar em uma geladeira, com uma porta tão pesada como a
“Gertrudes”.
No começo dos anos 70, a
geladeira chamava tanto a atenção das pessoas em nossa pequena cidade que
alguns chegaram ao ponto de venderem gelo às crianças que não conheciam ou que
não tivessem geladeiras. No país inteiro a popularidade da geladeira era
enorme. Fizeram até uma música falando sobre a capacidade de fazer gelo da
geladeira, era um dialogo entre pai e filho que dizia assim:
_ Tu tá comendo vidro, minino?
_ Não pai, eu tô chupando é pedra d’água!
_ Joga
esse troço fora, que isso dá dor de dente.
Uma vez eu peguei numa, minha mão ficou
dormente.
Botei ela dentro do saco, veja só o que
aconteceu,
Molhou toda a farinha, viu?
Fez a arte e sumiu.
Nós, lá de casa, achávamos
muito legal essa musica que em partes era um elogio a inovação que trouxe a
“Gertrudes”, quer dizer a geladeira.
Em 1982, durante a copa do
mundo, realizada na Espanha, o Brasil comandado por Telê Santana, tinha um time
que encantou o mundo com jogadores tais como: Zico, Sócrates, Falcão, Éder,
Junior, Leandro e Cerezo. Contudo, quão grande foi a nossa decepção, quando um
tal de Paolo Rossi, italiano, desclassificou o Brasil.
Meu pai, coitado, um
torcedor fanático, ficou tão decepcionado que se trancou dentro da geladeira.
Isso mesmo! Ele tirou as prateleiras de dentro e entrou lá. E o pior é que a
geladeira estava ligada. Talvez meu pai quisesse apenas esfriar a cabeça. Mas,
acho que ele, igual ao tio Dimitrius, via na “Gertrudes”, uma fonte de consolo,
ela era uma mãezona, para eles. Mas, vou te contar, deu um trabalho pra tirar o
velho lá de dentro, viu?
Recentemente eu estava vendo
um noticiário que me fez lembrar este episódio. Um americano de nome David
Horvitz, criou uma espécie de “seita virtual”, dos “cabeça dentro da
Geladeira”. No dia 9 de abril, Horvitz tirou uma foto com a cabeça na geladeira
e a publicou no Flickr. No dia seguinte,
ele divulgou o “manifesto” em seu blog: “tire uma foto de sua cabeça dentro do
freezer. Publique a foto na internet. Marque o arquivo com o número 241554903.”
Pronto! Bastou isso e milhares de pessoas se tornaram seguidores dele.
Dizem que a idéia surgiu
quando Horvitz sugeriu a uma amiga que não estava se sentindo bem que colocasse
a cabeça no freezer. Daí, tudo começou! O que Horvitz, não sabe é que quase
trinta anos antes dele, meu pai já tinha tido essa idéia, não a de colocar a
cabeça na geladeira, mas de entrar todo dentro dela. Será que a gente se sente
melhor, mesmo? Se você experimentar me avisa, tá? Confesso, que até hoje meu
pai não me falou.
São tantas histórias que eu
poderia contar da nossa primeira geladeira, que vocês não fazem nem idéia.
Ainda hoje, meus pais conservam a velha “Gertrudes”, embora agora ela fique
relegada a um cantinho solitário na área de serviço. Cada um dos oito filhos
seguiu seu caminho, moram em suas casas próprias e tem suas geladeiras. Nunca
nenhum de nós esquecerá essa maior invenção do homem, a geladeira.
Ah! Deixa eu te falar, minha
mãe me ligou agora a pouco e me disse que o tio Dimitrius arrumou uma namorada.
Sério! Ele vai levá-la pra conhecer minha mãe e meu pai. Sabe qual é o nome
dela? “Gertrudes”.
Por: Silvon Alves Guimarães
http://silvonguimaraes.blogspot.com