Sofia,
impaciente, perambulava pela casa enquanto o técnico instalava o seu novo olho
mágico. O olho mágico anterior, não era tão avançado quanto este, lhe
permitindo ver somente até a porta em frente, onde vivia Jonas, um aborrecido
viúvo, pensava Sofia.
Uns
dias antes, Sofia havia escutado as vizinhas conversando no corredor. Elas comentavam
sobre uma formosura de mulher que havia se mudado para o 3º D. Sofia se deu
conta imediatamente que se tratava do apartamento ao lado do seu, e reparou no
tom empolgante com que as vizinhas haviam dito “formosura”. Sofia completava 50 anos e já fazia uns 20
anos que raramente saia de casa, tudo por conta de uma fobia que desenvolvera,
ela tinha pavor de deixar seu apartamento, temia tudo, era como se o mundo lá
fora lhes fosse letal, só se sentia protegida dentro de casa. Se não saía de
casa, tampouco falava com alguém, com exceção de Valdemar, seu santo marido.
Homem único, ele era a bondade em pessoa, católico ortodoxo e suportava as
fobias e as manas de Sofia sem nunca ter reclamado, sempre firme, meigo e
carinhoso, muito carinhoso. Valdemar não era dado a vícios, era um trabalhador
incansável e fiel como nenhum outro no mundo. Sofia sentia que tivera muita
sorte de encontrar um homem assim. Mais do que amor, Sofia tinha uma verdadeira
devoção por Valdemar.
___Senhora,
já está pronto! __gritou o técnico.
Sofia se aproximou emocionada,
ansiosa, definitivamente o olho mágico era sua única janela para o mundo.
___E
você me garante que com esse olho mágico eu poderei ver todo o corredor?
___Sem
dúvida, olhe e comprove a senhora mesma.
Com o coração acelerado aproximou-se,
levantou-se um pouco, porque era de baixa estatura, e colocou seu olho naquele
instrumento tão moderno.
___Maravilha!
__exclamou.
___Eu
lhe disse, é um pouco caro porque é importado dos Estados Unidos, mas é de uma
visibilidade total. Bom, já vou indo. Se a senhora tiver algum problema é só me
avisar. Até logo.
Sofia se despediu do técnico e foi
rapidamente para trás da porta, estava feliz e desejosa de saber o que acontecia
no 3º D.
Durante vários dias não viu nada.
Ninguém entrava nem saía. Certa manhã, sem esperar, conseguiu ver uma garota. Mas...
formosura? Onde estava esta formosura toda, como haviam dito as suas
vizinhas... Era uma mulata, mas sem essa pompa toda que haviam dito. Altíssima,
cabelos encaracolados. Vestia um short curto, curtíssimos, deixando amostra um
interminável par de pernas cor de chocolate com leite e na parte de cima uma
camiseta amarrada, deixando a mostra sua barriga carente de gordura e
estrangulando seus grandes peitos. Sofia se retirou do olho mágico assustada,
confusa com aquela visão. A mulher não tinha formosura... Estava mais pra uma
piranhinha de quinta categoria, pelo menos foi isso que ela pensou. Purificou-se
muitas vezes e rezou com devoção, o demônio havia se instalado no seu prédio.
Passaram-se os dias, Sofia não
conseguia esquecer o que havia visto. Não se atreveu, no entanto, a contar a
Valdemar, não quis escandalizá-lo. Ele não estava acostumado com aquelas coisas
e também conversará com ela, lhe disse várias vezes que não era uma atitude
cristã ficar espiando os vizinhos pelo olho mágico, isso era pecado. Ela
tentava distrair-se com seus afazeres, mas a cada dois ou três dias olhava por
aquela janela mágica que tanto lhe tentava, resistia, encomendava-se para todos
os santos e novamente repetia o ato insensato de espionar pelo olho mágico.
Uma noitinha, enquanto assistia à
novela na TV, pareceu escutar vozes no corredor. Sua primeira intenção foi sair
correndo até o olho mágico, mas se controlou. Não podia fazer aquilo. Poucos segundos
depois, as risadas que ouvia, foram lhe atiçando a curiosidade até que não mais
resistiu. Com uma ponta de medo e curiosidade se levantou, chegou-se ao olho
mágico... e... Ali estava Valdemar, o seu Valdemar, seu SANTO Valdemar;
abraçado com a mulata, com as mãos correndo em seu corpo moreno e estacionando
em seus seios grandes. O coração de Sofia deu um arranco e parou. Caiu ao chão,
desacordada. O barulho alertou a Valdemar que se apressou a abrir a porta. Esticado
no chão, inerte, estava o corpo sem vida de Sofia.
___A
curiosidade matou o gato __disse Valdemar se dirigindo a mulata ___ Seu plano saiu
uma perfeição, até que enfim me livrei desta cruz.
___Eu
te disse meu amorzinho, era infalível...