Introdução
Ao fazermos uma leitura
focada em perceber a visão produzida sobre a mulher em obras literárias como os
contos de Machado de Assis – “Pai contra mãe (1906)” e “A cartomante (1884)” –
poderemos, de forma parcelar, apreender a mulher enquanto objeto da visão de
outras personagens ou do narrador e a mulher enquanto sujeito dessa visão.
Desta forma, apesar de fazermos
uma análise rasa, esperamos responder a questionamentos tais como: Nos contos
analisados, a mulher é entendida como sujeito de ação e de reflexão? Ou tem
papel pertinente apenas enquanto objeto de mediação dos respectivos narradores
e/ou personagens? E, será que houve uma evolução na visão da mulher, a partir
destas obras?
O
escritor e suas obras
Machado de Assis, como
escritor engajado, dirigiu sua crítica à sociedade burguesa buscando expor as
injustiças existentes em sua época. Ele, compreendeu o dilema vivido pelas
mulheres e entendeu que as suas limitações não eram inerentes ao gênero
feminino, mas às restrições que lhes eram impostas pela sociedade conservadora.
O escritor, portanto, adota um posicionamento feminista, no que tange a
compreensão e denúncia dos abusos perpetrados para com as mulheres.
Outro aspecto que chama a
atenção nos contos de Machado de Assis, em relação à sua visão sobre as
mulheres, é que ele encarou o sexo, não no seu aspecto fisiológico, segundo a
voga naturalista, mas na importância específica que pode assumir nas relações
entre as pessoas, e também como instrumento de opressão e poder.
A partir destas
informações sobre o escritor analisaremos os contos “Pai contra Mãe (1906)” e
“A Cartomante (1884)”, buscando fazer uma interpretação da obra machadiana como
“fruto da sociedade da segunda metade do século XIX, mas que também não pode
ser vista como seu reflexo puro e simples, sendo o contexto sócio-histórico seu
elemento estruturador (SILVA, 2008). Percorreremos, também, alguns textos
contemporâneos que refletem o olhar da sociedade sobre o papel desempenhado
pelas mulheres.
As
mulheres na literatura
No conto “Pai Contra
Mãe”, Machado de Assis apresenta a situação dos negros e da mulher que ainda
precisam lutar por igualdade. O autor aborda também a questão da doação de um
filho e a forma com que o ser humano lida com as decisões que toma, neste caso,
a atitude tomada por Cândido após ver as consequências de sua escolha.
O título do conto, logo
de começo, traz à tona a tensão da disputa entre o “Pai”, Cândido (homem,
branco, livre), cujo nome significa “de grande alvura; muito branco, com
sentido figurado que apresenta pureza, inocência; que denota candura”, e a
“Mãe, Arminda (mulher, negra, escrava), cujo nome significa “mulher do exército
ou militar; a que possui armas”. Ele, pretende salvar o seu filho. Ela,
grávida, só deseja fugir.
A grande ironia fica por
conta da situação em que é colocado o protagonista: para salvar a vida do
filho, Cândido tem que entregar a escrava fugida aos seus senhores que, na luta,
acaba abortando. No confronto entre os personagens temos as mesmas razões de
luta – a família, a prole – mas, para a satisfação de um dos lados, será
preciso que o outro sofra. Na verdade, o lado feminino e escravo, tem desde o
início seu destino selado.
O conto machadiano,
permite que vislumbremos na narrativa, uma análise do comportamento humano:
para salvar uma criança, Cândido permite a morte de outra. Sua fala ao final do
conto é bastante expressiva: “Nem todas as crianças vingam”. É o ser humano
construindo as justificativas para os gestos mais baixos, para as atitudes mais
reprováveis.
No conto “A Cartomante”,
Machado de Assis, estabelece como núcleo temático o amor, o ciúme e o
adultério. O amor de Rita e Camilo constitui um adultério penalizado com o
assassinato de ambos. Vilela, o marido, age movido pelo ciúme. Porém, todos os
personagens apresentam complexidades que os dotam de contradições, com atitudes
ora boas ora más, ora generosas ora sórdidas.
Rita, no alto dos seus
trinta anos, é apresentada como sendo uma “dama formosa e tonta”, “graciosa e
viva nos gestos”, tem “olhos cálidos” e “boca fina e interrogativa”, segundo o
narrador ela “era mulher e bonita” e, por fim, a atração recíproca entre ela e
Camilo se dá justamente pela compatibilidade de gênios, ela: “tonta”, que
significa “simplória, ingênua” e ele descrito como tendo na ingenuidade sua
principal característica. A personalidade de ambos, se contrapunha com a de
Vilela, descrito como homem de gravidade nos tratos.
A história, de amizade,
amor e adultério termina em feminicídio seguido de homicídio. O assassino é um
“advogado e ex-magistrado”, um homem que foi a lei, conhece a lei, e acima de
tudo “age dentro da lei”. Segundo Fonseca (2012), o Código Criminal Brasileiro,
vigente na época do acontecimento narrado, estabelecia “no Livro V, tit.
XXXVIII: Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá
matar assim a ela, como o adúltero”.
Machado de Assis, ao
criar esse desfecho, atribuindo o feminicídio a um personagem refletido, grave,
advogado e ex-magistrado, denuncia a sociedade de sua época como patriarcal e
machista, que considera a mulher como propriedade; e o Estado que sacramenta
esta atitude.
Em continuidade à
temática da violência contra a mulher, Helena Martins, repórter da Agência
Brasil, publicou em 27/08/2017, um artigo que se intitulava: “Taxa de
feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo”. A autora apresenta dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS), que apontam para um aumento de 54% no
assassinato de mulheres, entre os anos de 2003 a 2013.
O citado periódico,
apresenta também, os esforços do governo brasileiro em atacar o problema da
violência contra o gênero feminino. Dentre as investidas está a criação, em 2006,
da Lei Maria da Penha, reconhecida mundialmente como uma das melhores
legislações para combater e desnaturalizar a violência contra a mulher.
Abordando o tema da
violência contra a mulher, Silva e Oliveira (2014), empreenderam uma
dispendiosa pesquisa nas publicações cientificas, que tratam da questão
feminina entre os anos 2009 e 2013. O
estudo identificou a violência física, sexual e psicológica como sendo as principais
causas de denúncias apresentadas pelas mulheres.
A literatura
descreve diversos fatores associados à violência doméstica, que perpetuam esta
condição para as mulheres, tais como: os antecedentes familiares de atos
violentos, o uso de álcool pelo parceiro, o desemprego, a pobreza, o baixo
nível socioeconômico da vítima, o baixo suporte social ofertado à mulher e a
dependência emocional em relação ao agressor. (SILVA e OLIVEIRA, 2014, p. 2)
Segundo as autoras, para
combater a crescente violência é preciso promover uma postura de enfrentamento
que implica na desconstrução de ações aceitas culturalmente como o direito do
homem de dispor da companheira. Silva e Oliveira (2014), citam que é preciso
desconstruir as “normas sociais e padrões culturais, tanto de homens quanto de
mulheres, os quais confirmam, autorizam, naturalizam e banalizam a dominação
masculina sobre a mulher”.
Conclusão:
As análises dos contos
machadianos permitiram percebermos como a violência da estrutura social
brasileira é representada pelo escritor, revelando seu posicionamento crítico à
sociedade de sua época. Relacionado, especificamente, à questão feminina,
constatamos que Machado de Assis critica os horrores do sistema patriarcal
machista, percebido em toda uma sociedade, que cria justificativas para a busca
de seus interesses pessoais, sendo, portanto, os responsáveis pela promoção da
violência social que se perpetua no ciclo vicioso infindável.
Trazendo a discussão para
a atualidade, percebemos que o autoritarismo permanece, embora revestido de uma
aparência democrática nas nossas relações sociais e em nossas instituições
políticas.
Desta forma, vimos em
nossa análise, que a questão da violência contra as mulheres, atualmente, é
vista como um problema social cuja relevância tem ganhado visibilidade devido a
serem veiculadas em jornais e revistas brasileiras. Há uma tendência crescente,
no reconhecimento das agressões contra o sexo feminino, como sendo um problema
de saúde pública, com a necessidade de intervenções por parte das autoridades.
Apesar de ainda não
existirem elementos suficientes para lidar com a totalidade da complexidade do
fenômeno das questões femininas, esta temática está estreitamente vinculada aos
movimentos feministas e tem sido objeto de pesquisas. Por isso, esperamos que
tais movimentos despertem, de maneira crítica, a percepção da sociedade para a
desconstrução do espírito machista.
Referências
Bibliográficas:
ASSIS,
Machado de. A Cartomante. Obra
completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1994. V. II.
FONSECA,
Daniel Gomes da. Não as matem! A
figuração do uxoricídio em “A Cartomante” de Machado de Assis. Entreletras,
Araguaína – TO, v. 3, n. 1, p. 39-52, jan/jul. 2012.
MARTINS,
Helena. Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Agência Brasil. Brasília. Publicado em
27/08/2017.
SILVA,
Eliane da Conceição. Estudos da
violência: uma análise sociológica dos contos de Machado de Assis.
Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Ciências e Letras, Campus de Araraquara. 2008, 195 f.
SILVA,
Lídia Ester Lopes da; OLIVEIRA, Maria Liz Cunha de. Violência contra a mulher: revisão sistemática da produção
científica nacional no período de 2009 a 2013. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ciência para a saúde), Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília,
DF. 2014.