segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

AS LEITURAS POSSÍVEIS QUE O OLHAR CONTEMPORÂNEO PRODUZ SOBRE A MULHER, A PARTIR DA LEITURA DOS CONTOS: “PAI CONTRA MÃE” E “A CARTOMANTE” DE MACHADO DE ASSIS.


Introdução
Ao fazermos uma leitura focada em perceber a visão produzida sobre a mulher em obras literárias como os contos de Machado de Assis – “Pai contra mãe (1906)” e “A cartomante (1884)” – poderemos, de forma parcelar, apreender a mulher enquanto objeto da visão de outras personagens ou do narrador e a mulher enquanto sujeito dessa visão.
Desta forma, apesar de fazermos uma análise rasa, esperamos responder a questionamentos tais como: Nos contos analisados, a mulher é entendida como sujeito de ação e de reflexão? Ou tem papel pertinente apenas enquanto objeto de mediação dos respectivos narradores e/ou personagens? E, será que houve uma evolução na visão da mulher, a partir destas obras?
O escritor e suas obras
Machado de Assis, como escritor engajado, dirigiu sua crítica à sociedade burguesa buscando expor as injustiças existentes em sua época. Ele, compreendeu o dilema vivido pelas mulheres e entendeu que as suas limitações não eram inerentes ao gênero feminino, mas às restrições que lhes eram impostas pela sociedade conservadora. O escritor, portanto, adota um posicionamento feminista, no que tange a compreensão e denúncia dos abusos perpetrados para com as mulheres.
Outro aspecto que chama a atenção nos contos de Machado de Assis, em relação à sua visão sobre as mulheres, é que ele encarou o sexo, não no seu aspecto fisiológico, segundo a voga naturalista, mas na importância específica que pode assumir nas relações entre as pessoas, e também como instrumento de opressão e poder.
A partir destas informações sobre o escritor analisaremos os contos “Pai contra Mãe (1906)” e “A Cartomante (1884)”, buscando fazer uma interpretação da obra machadiana como “fruto da sociedade da segunda metade do século XIX, mas que também não pode ser vista como seu reflexo puro e simples, sendo o contexto sócio-histórico seu elemento estruturador (SILVA, 2008). Percorreremos, também, alguns textos contemporâneos que refletem o olhar da sociedade sobre o papel desempenhado pelas mulheres.
As mulheres na literatura
No conto “Pai Contra Mãe”, Machado de Assis apresenta a situação dos negros e da mulher que ainda precisam lutar por igualdade. O autor aborda também a questão da doação de um filho e a forma com que o ser humano lida com as decisões que toma, neste caso, a atitude tomada por Cândido após ver as consequências de sua escolha.
O título do conto, logo de começo, traz à tona a tensão da disputa entre o “Pai”, Cândido (homem, branco, livre), cujo nome significa “de grande alvura; muito branco, com sentido figurado que apresenta pureza, inocência; que denota candura”, e a “Mãe, Arminda (mulher, negra, escrava), cujo nome significa “mulher do exército ou militar; a que possui armas”. Ele, pretende salvar o seu filho. Ela, grávida, só deseja fugir.
A grande ironia fica por conta da situação em que é colocado o protagonista: para salvar a vida do filho, Cândido tem que entregar a escrava fugida aos seus senhores que, na luta, acaba abortando. No confronto entre os personagens temos as mesmas razões de luta – a família, a prole – mas, para a satisfação de um dos lados, será preciso que o outro sofra. Na verdade, o lado feminino e escravo, tem desde o início seu destino selado.
O conto machadiano, permite que vislumbremos na narrativa, uma análise do comportamento humano: para salvar uma criança, Cândido permite a morte de outra. Sua fala ao final do conto é bastante expressiva: “Nem todas as crianças vingam”. É o ser humano construindo as justificativas para os gestos mais baixos, para as atitudes mais reprováveis.
No conto “A Cartomante”, Machado de Assis, estabelece como núcleo temático o amor, o ciúme e o adultério. O amor de Rita e Camilo constitui um adultério penalizado com o assassinato de ambos. Vilela, o marido, age movido pelo ciúme. Porém, todos os personagens apresentam complexidades que os dotam de contradições, com atitudes ora boas ora más, ora generosas ora sórdidas.
Rita, no alto dos seus trinta anos, é apresentada como sendo uma “dama formosa e tonta”, “graciosa e viva nos gestos”, tem “olhos cálidos” e “boca fina e interrogativa”, segundo o narrador ela “era mulher e bonita” e, por fim, a atração recíproca entre ela e Camilo se dá justamente pela compatibilidade de gênios, ela: “tonta”, que significa “simplória, ingênua” e ele descrito como tendo na ingenuidade sua principal característica. A personalidade de ambos, se contrapunha com a de Vilela, descrito como homem de gravidade nos tratos.
A história, de amizade, amor e adultério termina em feminicídio seguido de homicídio. O assassino é um “advogado e ex-magistrado”, um homem que foi a lei, conhece a lei, e acima de tudo “age dentro da lei”. Segundo Fonseca (2012), o Código Criminal Brasileiro, vigente na época do acontecimento narrado, estabelecia “no Livro V, tit. XXXVIII: Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero”.
Machado de Assis, ao criar esse desfecho, atribuindo o feminicídio a um personagem refletido, grave, advogado e ex-magistrado, denuncia a sociedade de sua época como patriarcal e machista, que considera a mulher como propriedade; e o Estado que sacramenta esta atitude.
Em continuidade à temática da violência contra a mulher, Helena Martins, repórter da Agência Brasil, publicou em 27/08/2017, um artigo que se intitulava: “Taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo”. A autora apresenta dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), que apontam para um aumento de 54% no assassinato de mulheres, entre os anos de 2003 a 2013.
O citado periódico, apresenta também, os esforços do governo brasileiro em atacar o problema da violência contra o gênero feminino. Dentre as investidas está a criação, em 2006, da Lei Maria da Penha, reconhecida mundialmente como uma das melhores legislações para combater e desnaturalizar a violência contra a mulher.
Abordando o tema da violência contra a mulher, Silva e Oliveira (2014), empreenderam uma dispendiosa pesquisa nas publicações cientificas, que tratam da questão feminina entre os anos 2009 e 2013.  O estudo identificou a violência física, sexual e psicológica como sendo as principais causas de denúncias apresentadas pelas mulheres.

A literatura descreve diversos fatores associados à violência doméstica, que perpetuam esta condição para as mulheres, tais como: os antecedentes familiares de atos violentos, o uso de álcool pelo parceiro, o desemprego, a pobreza, o baixo nível socioeconômico da vítima, o baixo suporte social ofertado à mulher e a dependência emocional em relação ao agressor. (SILVA e OLIVEIRA, 2014, p. 2)
           
Segundo as autoras, para combater a crescente violência é preciso promover uma postura de enfrentamento que implica na desconstrução de ações aceitas culturalmente como o direito do homem de dispor da companheira. Silva e Oliveira (2014), citam que é preciso desconstruir as “normas sociais e padrões culturais, tanto de homens quanto de mulheres, os quais confirmam, autorizam, naturalizam e banalizam a dominação masculina sobre a mulher”.
Conclusão:
As análises dos contos machadianos permitiram percebermos como a violência da estrutura social brasileira é representada pelo escritor, revelando seu posicionamento crítico à sociedade de sua época. Relacionado, especificamente, à questão feminina, constatamos que Machado de Assis critica os horrores do sistema patriarcal machista, percebido em toda uma sociedade, que cria justificativas para a busca de seus interesses pessoais, sendo, portanto, os responsáveis pela promoção da violência social que se perpetua no ciclo vicioso infindável.
Trazendo a discussão para a atualidade, percebemos que o autoritarismo permanece, embora revestido de uma aparência democrática nas nossas relações sociais e em nossas instituições políticas.
Desta forma, vimos em nossa análise, que a questão da violência contra as mulheres, atualmente, é vista como um problema social cuja relevância tem ganhado visibilidade devido a serem veiculadas em jornais e revistas brasileiras. Há uma tendência crescente, no reconhecimento das agressões contra o sexo feminino, como sendo um problema de saúde pública, com a necessidade de intervenções por parte das autoridades.
Apesar de ainda não existirem elementos suficientes para lidar com a totalidade da complexidade do fenômeno das questões femininas, esta temática está estreitamente vinculada aos movimentos feministas e tem sido objeto de pesquisas. Por isso, esperamos que tais movimentos despertem, de maneira crítica, a percepção da sociedade para a desconstrução do espírito machista.




Referências Bibliográficas:

ASSIS, Machado de. A Cartomante. Obra completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1994. V. II.

______. Pai Contra Mãe. Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro http://www.bibvirt.futuro.usp.br Acesso em 07 de outubro de 2019.

FONSECA, Daniel Gomes da. Não as matem! A figuração do uxoricídio em “A Cartomante” de Machado de Assis. Entreletras, Araguaína – TO, v. 3, n. 1, p. 39-52, jan/jul. 2012.

MARTINS, Helena. Taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Agência Brasil. Brasília. Publicado em 27/08/2017.

SILVA, Eliane da Conceição. Estudos da violência: uma análise sociológica dos contos de Machado de Assis. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara. 2008, 195 f.

SILVA, Lídia Ester Lopes da; OLIVEIRA, Maria Liz Cunha de. Violência contra a mulher: revisão sistemática da produção científica nacional no período de 2009 a 2013. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciência para a saúde), Escola Superior de Ciências da Saúde, Brasília, DF. 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por um momento estivemos juntos, ligados pelas ideias. Foi muito bom! Nos encontramos em breve! Tchau!

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 4

 4 DA LUZ À ESCURIDÃO E DE NOVO À LUZ – OS CAMINHOS DO POEMA EM “A ROSA ABSOLUTA” DO POETA GUIMARÃES FILHO Um poema começa [...]           ...