Introdução:
A
literatura moderna, assim como existe hoje, se desenvolveu a partir do processo
de urbanização, impulsionado pelo advento da modernidade (FREITAG, 2002). O
florescimento da vida urbana e o fortalecimento das instituições de ensino, são
os fatores que marcaram a produção do conhecimento. Sérgio Buarque de Holanda
(1995), em Raízes do Brasil, destaca que, enquanto os países latino-americanos,
que foram colonizados pela Espanha, tiveram em sua colonização, desde o
princípio, o transplante das instituições espanholas, que incluíam o traçado
urbanístico das cidades e as universidades; no modelo de colonização português,
implantado no Brasil, não houve o planejamento das cidades e as universidades,
escolas e até mesmo as prensas tipográficas – além de não serem implantadas –
foram banidas, sendo consideradas atividades contra a lei.
Os
filhos da elite, que viviam no Brasil, tiveram que buscar conhecimento, ou nas
colônias hispânicas ou no continente europeu. Em qualquer um dos casos, fica
evidente a influência que essas elites intelectuais sofreram, por conta do
convívio com os intelectuais destes países e sua realidade. Porém, quando esses
brasileiros retornavam para sua pátria, a influência, os sentimentos e o
conhecimento que eles receberam, passava por um processo de adequação à
realidade brasileira, era como uma espécie de personificação intelectual e, por
sua vez, de influenciados, eles passavam a influenciar, quer seja aos vizinhos
da américa latina, aos próprios europeus e também aos países africanos,
especialmente os de língua portuguesa.
Nosso
objetivo, neste trabalho, é discutir a circulação de sentimentos, canalizados
através dos fluxos de influência cultural recíproca entre os países de língua
portuguesa. O nosso recorte analítico tem como referência a questão da
valorização de pátria, relacionando-a ao sentimento nacionalista que aparece
nos poemas “Canção do Exílio” do
livro “Poesias” do poeta brasileiro Gonçalves
Dias, e “A minha Terra”, do livro “Espontaneidades da minha alma: às senhoras angolanas”
do poeta angolano José da Silva Maia Ferreira.
Os
poetas e suas obras:
Gonçalves
Dias foi um dos principais escritores da Primeira Geração do Movimento
Romântico, no Brasil. Este movimento se destacou pela grande ênfase dada ao
sentimento nacionalista, em que o amor à pátria e ao herói patriota,
representado pelo índio, eram fatores de exaltação e representatividade
brasileira. O Nacionalismo Romântico, ficou conhecido como “nacionalismo de
identidade ou orgânico”, em que seus praticantes, nutrem o sentimento de que
seu povo é único e criativo, que sabe expressar sua cultura através de várias
áreas como a língua, a religião, os costumes e assim por diante.
Foi
neste contexto, que Gonçalves Dias, escreveu o poema “Canção do exílio”, em que
sua pátria, o Brasil, foi exaltada. Toda admiração que o poeta sente por sua
terra natal foi expressa através do sentimento romântico nacionalista. Vejamos
na integra os versos do poema:
Minha
terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu
tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em
cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha
terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não
permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. (DIAS, 1969,
p.11).
José da Silva Maia Ferreira, filho
de pais angolanos, embora tenha nascido em Luanda, desde os sete anos de idade,
vivia no Rio de Janeiro, devido ao exílio político de seu pai. Assim como os
brasileiros da elite, Maia Ferreira, buscou formação acadêmica em Portugal.
Anos mais tarde, retornou ao Brasil e aqui morreu. Nos versos do poema, que
destacaremos, o poeta, exalta grandiosamente Portugal, terra do colonizador, na
tentativa de compará-la com sua própria pátria. Nessa comparação infeliz, Maia
Ferreira, acaba inferiorizando sua terra natal diante de Portugal e até mesmo
do Brasil, ex-colônia portuguesa. Vejamos alguns trechos deste poema, para
percebermos como o sentimento nacionalista de Maia Ferreira o distanciou
afetivamente de sua nação, gerando uma afinidade maior com a pátria do
colonizador.
Minha terra não tem os cristaes
Dessas fontes do só Portugal,
Minha terra não tem salgueiraes,
Só tem ondas de branco areal.
Em seus campos não brota o jasmim,
Não matisa de flôres seus prados,
Não tem rosas de fino carmim,
Só tem montes de barro escarpados.
Não tem meigo trinar — mavioso
Do fagueiro, gentil rouxinol,
Tem o canto suave, saudoso
Da Benguella no seu arrebol,
[...]
Tem palmeiras de sombra copada
Onde o soba de tribo selvagem,
Em c’ravana de gente cansada,
Adormece sequioso de aragem.
Empinado alcantil dos desertos
Lá se aninha sedento Leão
Em covis de espinhais entr’abertos,
Onde altivo repousa no chão.
Nesses montes percorre afanoso,
A zagaia com força vibrando,
O Africano guerreiro e famoso
A seus pés a pantera prostrando.
Não tem virgens com faces de neve
Por que lanças enriste Donzel,
Tem donzelas de planta mui breve,
Mui
airosas, de peito fiel. (FERREIRA, 2002, p. 27).
[...]
Não é pátria dos Vates da América
Que em teus cantos, com maga harmonia,
Na Tijuca em seu cume sentado
Decantaste em tão bela Poesia.
Não os tem; porque em terra africana
Não há cisne em gentil Guanabara,
Mais mimosa, mais bela e mais rica
Do que
o oiro do meu Uangara (FERREIRA, 2002, p. 29).
[...]
Vi as belezas da terra,
Da tua terra sem igual,
Mirei muito do que encerra
O teu lindo Portugal,
E se invejo a lindeza,
Da tua terra a beleza,
Também é bem portuguesa
A
minha terra natal (FERREIRA, 2002, p. 31).
[...]
Também invejo o Brasil
Sobre as águas a brilhar,
Nesses campos mil a mil,
Nesses montes dalém-mar.
Invejo a formosura
Desses
prados de verdura,
Inspirando
com doçura
O
Poeta a decantar (FERREIRA, 2002, p. 31).
A circulação das influências: análise:
Alfredo Bosi, em “História
concisa da literatura brasileira”, afirma que Gonçalves Dias “foi o
primeiro poeta autêntico a emergir em nosso Romantismo” (BOSI, 2006, p.104).
Quanto a Maia Ferreira, embora sua obra seja a primeira a ser publicada em
língua portuguesa por um autor africano, e seus poemas datem de 1849 – três anos
após o lançamento dos poemas de Gonçalves Dias – ela, sua obra, só foi devidamente
reconhecida no ano de 1967.
No poema “Canção do exílio”,
Gonçalves Dias, manifesta a intenção de apresentar um país sem igual. Afastado
de sua terra natal, devido aos estudos, o eu lírico, passa a exaltar sua
pátria, em comparação à terra estrangeira. A natureza exuberante é destacada
pelo poeta como sendo essencial para que se encontre os amores e os prazeres
que podem proporcionar a verdadeira satisfação na vida. Esse é o aspecto
principal da pátria, sua beleza natural incomparável. Valendo-se da oposição
dos advérbios “cá” – referindo-se a Portugal – e “lá” – em referência ao Brasil
–, Gonçalves Dias, constrói ritmadas redondilhas que denotam a comparação. As
marcas do romantismo, ficam evidentes no poema, especialmente pelo evasionismo
do eu-lírico, que se refugia em sua terra natal ao “cismar – sozinho, à noite”.
A religiosidade, também está presente no poema, na estrofe final que traz um
tom de oração: “Não permita Deus que eu morra”.
O sentimento nacionalista do poeta não
pode ser colocado em dúvidas. Pelo contrário, seus sentimentos ficam tão
evidentes, que até mesmo, dois versos deste poema (Nosso céu tem mais
estrelas [...]/ Nossas várzeas têm mais flores), passaram a compor o
hino nacional brasileiro – o símbolo maior de patriotismo.
Dessemelhante do poeta brasileiro,
Maia Ferreira inicia seu poema com um tom de humildade. As belezas que merecem
ser afamadas, não são as de sua terra natal, mas sim as da bela Portugal.
Comentando sobre essa atitude, Corrado (2010), diz que o poema “resume
perfeitamente o dilema dos assimilados, cuja formação cultural estritamente
euro-brasileira tinha que ser adaptada à nova exigência de afirmar um
sentimento de identificação com a terra natal africana” (CORRADO, 2010). A
relação com Gonçalves Dias neste trecho está, portanto, no fato de haver uma
comparação, mas o tom de enaltecimento da terra natal, se encontra apenas no
poeta brasileiro.
Ao passo que Gonçalves Dias usa
termos que exaltam sua terra natal, o Brasil, Maia Ferreira, utiliza o termo “só”,
inferiorizando seu país de origem, em comparação com as terras lusitanas: “Minha
terra não tem os cristaes/ dessas fontes do só Portugal” e ainda
acrescenta: “Em seus campos não brota o jasmim, / Não matiza de flores seus
prados/ Não tem rosas de fino carmim, / Só tem montes de barro escarpados”
(FERREIRA, 2002, p.26). Para Bosi (1992), historicamente, ocorre, com os povos
colonizados, o que ele chamou de “Dialética da colonização”, em que o colonizado
se sente inferior diante da colônia, acreditando que dela vem o poder e em
todas as coisas ela é superior.
Conclusão:
Em
nossa análise comparativa entre as literaturas brasileira e angolana, por meio
dos poetas Gonçalves Dias e Maia Ferreira, percebemos que ambos têm por
objetivo a exaltação da terra, a qual consideram como sua. Desta forma,
enquanto que o sentimento nacionalista gera uma reação em Gonçalves Dias, ele
se diferencia em Maia Ferreira, provocando uma inversão, ou seja, um
distanciamento afetivo de sua terra de origem.
O
poeta brasileiro, aclama a superioridade de sua terra natal, dizendo que nela
há “mais aves que gorjeiam, mais
estrelas, mais flores, mais palmeiras, mais amores, mais prazeres, mais
primores e mais sabiás”, tornando essa terra superior até mesmo a Portugal,
a terra do colonizador. Já para o poeta angolano, sua terra natal é inferior
diante de Portugal, pois “só tem ondas de branco areal, só tem montes de
barro escarpados, só tem raios de sol a queimar”. Nesse só ter faltoso, a
pátria, “não tem cristaes, não tem
salgueirais, não brota o jasmim, não tem meigo trinar-mavioso, não tem
brilhante primavera, não tem brisa lasciva”. Por fim, finaliza o poeta: “Nada tem minha terra natal / Que extasie e
revele primor, / Nada tem, a não ser dos desertos / A solidão que é tão grata
ao cantor” (FERREIRA, 2002, p.31).
Em
conclusão, podemos dizer que a circulação de influências, embora seja real, nem
sempre provoca a reação esperada, pois a natureza aberta de uma obra,
possibilita diferentes leituras em diferentes contextos. Não estando, portanto,
condicionada a um horizonte cultural estável de estruturas de sentimentos que
integram um determinado tempo, espaço e sociedade.
Referências
Bibliográficas:
BOSI,
Alfredo. Dialética da colonização.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOSI,
Alfredo. História Concisa da Literatura
Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
CORRADO,
Jacopo. À procura das influências
brasileiras na construção literária angolana: o caso José da Silva Maia
Ferreira. Maringá: 4º CELLI – Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários,
2010.
DIAS,
Gonçalves. Poesias. Seleção de
Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Agir, 1969.
FERREIRA,
José da Silva Maia. Espontaneidade da
minha alma: às senhoras angolanas. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda,
2002.
FREITAG,
Bárbara. Cidade dos Homens. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.
HOLANDA, Sérgio
Buarque. Raízes do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.