quinta-feira, 7 de julho de 2022

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 4

 4 DA LUZ À ESCURIDÃO E DE NOVO À LUZ – OS CAMINHOS DO POEMA EM “A ROSA ABSOLUTA” DO POETA GUIMARÃES FILHO

Um poema começa [...]                                                                                                                                                                       com um nó na garganta,                                                                                                                                                                     uma sensação de algo errado,                                                                                                                                                            uma saudade, uma dor de amor [...]                                                                                                                                              encontra os pensamentos                                                                                                                                                                         e o pensamento encontra as palavras                                                                                                                                            (Robert Frost).

    A Rosa Absoluta, do poeta Guimarães Filho, por se tratar de um livro de poesias, não poderia começar de modo diferente do descrito por Robert Frost: “com um nó na garganta”. Por isso, logo no primeiro poema, “Do amor sem ódio” (p.11), é possível perceber que algo está errado. O poeta se depara com um amor morno, sem a explosão da paixão, um amor de um casal casado cuja rotina ofuscou o brilho dos eternos apaixonados.

    O ponto de partida está determinado, é o amor morno, que mesmo assim continua sendo amor. A partir desta visão, A Rosa Absoluta, possibilita uma viagem rumo à escuridão da solidão, passando, primeiro, pelas tardes cinzentas e frias para finalmente reencontrar-se com as cores, trazidas de volta, não pela luz vigorosa do sol, mas pela tranquila e serena luz do luar.

    O leitor dos poemas, se depara logo de princípio, com um personagem que busca compreender o “misterioso”, devorador e “assombroso destino” que parece perseguí-lo impiedosamente. “Longo é o caminho” que o poeta terá de percorrer, confrontando-se sempre com a “estranha” realidade da “solidão”.

    O silêncio passa a fazer parte da caminhada que se inicia em busca da compreensão do porquê da solidão. Alfredo Bosi (1977) diz que existe uma “maleabilidade infinita” com que o homem pode trabalhar a matéria fonética. Estabelecendo uma relação constante e congruente entre o som e o sentido, o poeta, arranca do silêncio, que parece puro vazio, ausência de som, um mar de significados, exprimindo seus sentimentos de angústia e desolação.

    O poeta se dedica ao trabalho da recordação que diferente da lembrança é uma construção do passado. No poema “A uma mulher” (p.15), há uma busca do além físico, em que, o apaixonado, considera os efeitos que o tempo, longe da pessoa amada, teve sobre seu entendimento da vida e consequentemente em sua forma de fazer poesia. Assim, o poeta, passa a recordar uma realidade já vivida (“memória do infinito”), que por ser uma recordação, já está no coração e, portanto, nem é mais uma realidade e sim uma invenção.

    O percurso da viagem, rumo a escuridão, vai sendo desenhado nas primeiras páginas do livro, para finalmente, nos poemas ‘Renúncia” (p.23) e “O dia entristecido” (p.24), dar-se o devido valor à escuridão, à angustia e até mesmo à própria morte. Contudo, antes deste clímax, houve primeiro um processo de sonorização do tema, enlaçando-se o jogo dos ecos e contrastes, ritmos, metro, andamento da frase e a entoação. Todo esse movimento de construção, parece autorizar o final da “tarde cinzenta” e o começo da “noite escura”, possibilitando um mergulho profundo nos “caminhos de sonhos” e o enclausuramento nas grades da “solidão interminável”.

    Como não poderia ser diferente, nos poemas “Intimidade” (p.18) e “O gesto amoroso” (p.19), o corpo é introduzido definitivamente no percurso que se trilha rumo a busca do amor sustentador. Porém, uma pergunta persiste: os movimentos, de que os fonemas resultam, não são, acaso, vibrações de um corpo em situação, expressões de um organismo que responde, com a palavra, a pressões que o afetam desde dentro? Assim sendo, chegamos a formulação de que o corpo, tanto o do poeta como o da amada, sempre esteve presente no percurso trilhado.

    O corpo humano e sua comunicação em ação é o centro de todas as coisas para nós. O conjunto de regras de organização e funcionamento das coisas está direcionado para o corpo com os seus sentidos, estabelecendo assim, o próprio sentido de nossa existência. A introdução do corpo no poema, portanto, é uma forma do poeta confirmar sua existência e, ao mesmo tempo, demonstrar pela imagem poética, que ele percebe as coisas do mundo, os outros objetos; o que significa dizer que, ao perceber o corpo, imediatamente percebe seu exterior, pois “toda percepção de meu corpo se explicita na linguagem da percepção exterior” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.277).

    Nesta busca que o poeta faz do além físico, há, segundo Bosi (1977), uma “retração decidida da linguagem para si e em si própria”. Ele, o autor, atinge uma liberdade tal, na forma de colocação de seu poema, que se sente à vontade para mover o campo de aplicação do histórico e político para um espaço intratextual cujo referente é uma entidade metafísica, maiúscula (“medo da morte, noite, sombras, labirinto sem fim, assombroso destino, invisível silêncio dos corpos, noite devoradora, estranho destino”) ou a própria letra. O poeta, alcança, a partir deste momento, um grau muito alto de autonomia.

    O apaixonado poeta, procura nas aparências superficiais um efeito de grau de estruturação, que suponha a existência de forças heterogêneas e em equilíbrio, que justifiquem o amor sentido. Desta forma, no poema “As razões do meu amor” (p.28), são enumeradas dez razões que dão a chancela para que o apaixonado continue imerso neste romance unilateral: ela “leu o meu livro; não é calma; sabe todos os pratos; prefere o silêncio; não tem religião; tem mãos firmes, me viu nu; oferece abrigo; sabe quem sou; teve meu livro nas mãos”.

    A imagem sofre influências de forças óticas e psíquicas e, desta forma, o significante apresenta algumas das “qualidades simples” do significado. Percebemos aqui que o poema se diferencia do diagrama, pois neste, o significante apresenta apenas as relações entre as suas partes. Isto equivale a dizer que, imagens contidas em um quadro ou em uma fotografia apresentam, de forma direta e imediata, algumas qualidades do objeto, como cores ou formas. Já no caso de uma tabela ou de um mapa, enquanto diagramas, a semelhança entre o significante e o significado não é direta: “O significante apresenta com o significado uma analogia icônica no que concerne às relações entre suas partes” (JAKOBSON, 1995a, p.105). No livro em análise, notamos que o poeta, em seu percurso, tem uma pesada carga de tensão sentimental que parece confundir as figuras linguísticas com a matéria mesma do seu eu. Assim sendo, no poema “A um cão sem beleza” (p.32), a imagem do “cão ávido”, “sem sombra”, “estranho e solitário”, se confunde com o seu próprio ser, que sente, pela angústia, o “frio de uma espada na inquietude da minha carne”.

    A imagem poética direciona-se para a representação gráfica de pessoas ou objetos. A representação pode ser entendida como exposição escrita, que pode ser uma simples reprodução do pensamento ou ainda apenas a descrição da coisa que se quer representar (a figura abstrata de um cão vadio), ou pode se referir ao conteúdo – em sentido filosófico – do que foi apreendido pela imaginação ou pela memória (Veio dos arrabaldes, estranho e solitário).

    A palavra “poeta” vem do grego “poietes” que significa “aquele que faz”. Como a imaginação é a capacidade humana para inventar ou criar e, para ser vista, essa imaginação precisa ser representada na forma gráfica, ou seja, precisa receber a roupagem da palavra, pode-se dizer que o poeta é aquele que faz a linguagem. Portanto, ao representar a linguagem por sinais gráficos, segundo sua imaginação, o poeta concebe novas perspectivas do mundo por meio da linguagem, com a intenção de universalizar ou produzir novamente um sentimento (a minha humanidade está em reconhecer a beleza fugaz das coisas). A sensibilidade provocada com aquilo que se mostra à vista, o poema, atrai por seu movimento silencioso dos instantes que são delicadamente capturados e congelados.

    A teoria da forma, conceitua a imagem como estando propensa, para nós, ao estado de estrato, de quase matéria posta no espaço da percepção, idêntica a si mesma. Em seus devaneios, o apaixonado poeta, acredita fixar o imaginário de um quadro, de uma imagem, de um amor já vivido. No poema “A mulher amada” (p.20), o autor, pensa em sua musa inspiradora, em termos de uma constelação, ou melhor, de astros, que em seus movimentos harmônicos, ora estão distantes ora retornam ao ponto em que o enunciador dos versos está. Ou seja, como afirma Jakobson (1995), a imagem poética não está limitada à relação som/sentido, mas ela se constrói também a partir da combinação por equivalência entre todos os âmbitos gramaticais da linguagem, como a morfologia e a sintaxe, por exemplo.

    “A sombra da tarde esquadrinha teu fino queixo em busca de uma taciturna resposta” (A um retrato desconhecido, p.42). Nestes versos, o poeta, ressalta a importância dos sentidos em se estabelecer a realidade. Esta percepção nos faz lembrar o conceito formulado por Santo Agostinho de que:

O olho é o mais espiritual dos sentidos. E, por trás de Santo Agostinho, todo platonismo reporta a ideia à visão. Conhecendo por mimese, mas de longe, sem a absorção imediata da matéria, o olho capta o objeto sem tocá-lo, degustá-lo, cheirá-lo, deglutí-lo. Intui e compreende sinteticamente, constrói a imagem não por assimilação, mas por similitudes e analogias (BOSI, 1977, p.17). 

    Desta forma, compreendemos porque a imagem poética, criada pelo apaixonado, possui, um caráter de vacuidade, de intervalo, de oco, assustosamente presente na percepção que o poeta tem da mulher amada (“a sombra da tarde espera que a noite dissipe essa rigidez que carregas contigo nos olhos”).

    No poema “Ao triste” (p.36), o autor revela que tira o seu poema da realidade, e com aplicação dos gêneros poéticos, passa a uma nova realidade. Ele eterniza essa realidade transformando-a em palavras, entrando de uma vez no mundo da poética (“Envelhecemos não apenas no nome/ mas nos gestos e no rancor antigo/ no hábito que nos persegue como uma ferida/ de amarmos esta vida como amamos a morte”). Em sua utilização da imagem poética, o autor, deixa claro que o “signo será sempre ligado à ideia de um termo designado”, por isso mesmo é preciso utilizá-lo criteriosamente no poema, de forma “que a relação entre o signo e aquilo que ele designa seja posta em evidência do modo mais claro possível e não possa constituir-se em objeto de simplificações que a deformem” (HJELMSLEV, 2006, p.62).

    O percurso poético, em A Rosa Absoluta, é abruptamente interrompido com a introdução do poema “Do amor de Montale por Annalisa Cima” (p.46). Talvez, a intenção do autor, ao trazer o poeta italiano Eugênio Montale e o seu romance vivido com Annalisa Cima, tenha sido a de demonstrar que amores longínquos podem se tornar reais, ou quem sabe seja um desabafo como que a perguntar: porque tem que ser assim, ver o sonho se perder no ar? De qualquer forma, o autor, mostra que uma construção está em andamento e as estruturas precisam ser reforçadas para o que se seguirá.

    No poema “Fragmento” (p.48), encontramos o verso que diz: “devo a ti a confissão da minha estranheza: não sei mais o quarto em que habito, e como se eu habitasse um subúrbio, pergunto: que sentido há na luz que percorre o dia? ” Neste poema, parece que o signo linguístico está mais colado a coisa representada, o amor que se foi, mas que ainda permanece. Então acontece algo interessante, o poeta mobiliza como que uma operação expressiva organizada em resposta a experiência vivida (“estou deserto, virado para o crepúsculo como um jarro de flores”). Nesta operação, o som se torna um mediador entre a vontade de significar e o mundo a ser significado (“como quem caminha irreconhecível pela cidade, assim caminho para um obscuro destino”).

    No poema “louvação da noite” (p.49), o poeta, presume ter feito uma identificação da imagem que tanto o perturba: “É noite porque a vida assume memórias sofridas, absorve mistérios que estão ausentes, e o peito comprime uma lembrança, talvez, quem sabe a última”. Sobre este assunto, Bosi (1977, p.15), nos adverte do perigo do engano, mesmo que parcial, que a identificação pode supor. “A imagem não decalca o modo de ser do objeto”, não há reprodução exata do ser, ainda que de alguma forma essa identificação nos ajude a apreender o objeto. Assim, toda “estranheza” tenderá a permanecer, mesmo que em partes, como algo indecifrável.

    Esboçando uma mudança de condição ou uma tentativa de reconstrução, no poema “Juízo final” (p.50), o autor faz uso da linguagem mítica em conjunto com a linguagem silogística.

Tuas mãos inacessíveis dizem adeus,                                                                                                                                                  e enquanto os homens sonham,                                                                                                                                              enquanto para eles o esplendor mora nos teus hábitos,                                                                                                              predestinada como a sombra nas ramagens                                                                                                                          rompendo com a última presença de luz,                                                                                                                                esmagas a oprimida esperança que faz deles,                                                                                                                                sem piedade nem consolo, deuses solitários. 

    Ao usar a linguagem mítica, o poeta, evoca a mimese aristotélica, que se pauta na verossimilhança da Arte, que não é realidade pura e simples, mas algo semelhante a realidade. No uso da linguagem silogística, o autor, usa sentenças precisas, lógicas. Desta forma, abre-se espaço para a razão e também para o sensível.

    A movimentação dos caminhos do poema, segue um rumo inesperado, mas ao mesmo tempo um rumo que traz alívio. Por alguns instantes, o futuro do apaixonado, pareceu tenebroso e assustador, porém ocorre a “Reconciliação” (p.53). O poeta faz uso de palavras que alteram o ritmo do poema, possibilitando que o leitor o acompanhe e o apoie na mudança que se seguirá. Usando de sabedoria poética, o autor, usa tons irracionalistas, de palavras míticas carregadas de significado (Cego alimentando pombos, p.57). Fazendo assim, ele encontra um modo de enfrentar o tenso convívio entre palavra e realidade.

    Depois de uma frenética busca pela pessoa amada, vem a admissão de que ela está, pelo menos por hora, inalcançável. No poema “A que perdi” (p.61), o autor fala da amada, reconhecendo que a perdeu, porém, as palavras são suaves, livres de rancor. A sua situação, a do poeta, é comparada, nesta fase do percurso, não mais com o cinza, nem com a escuridão, mas com a paisagem, que se compõe de rios, gramas, pássaros e árvores. Desta forma, o poeta faz uma interação das palavras, formando uma imagem perceptível, que aparece ao olho como algo firme, consistente (“árvores paradas”).

    Enfim, o poeta e seus leitores, podem fazer o caminho do “Retorno” (p.65):

Sempre me comove essa lua nova                                                                                                                                                  que me espreita no caminho.                                                                                                                                                            Eu que tantas vezes mirei o sombrio poente, hoje olho com                                                                                                                                                                         [rancor os postes de luz                                                                                                              e penso, cada vez mais triste, que o mundo é um lugar vão                                                                                                            onde os sonhos nascem sem cumplicidade nem propósito,                                                                                                                e ligeiramente morrem sem esperança.                                                                                                                                              Aqui regresso a esta casa                                                                                                                                                                  eu que tantas vezes parti de uma sonhada urbe que havia em                                                                                                                                                                                                      [mim                                                                                                            e percorri ruas vazias ofegante pelo esforço vão,                                                                                                                            oprimido a cada manhã pela distância e pela ausência.                                                                                                                Aqui regresso. E em mim o rito sagrado da busca transborda                                                                                                                                                                                              [como luz.                                                                                                      Essa busca furtiva por homens justos, num tempo de medos e                                                                                                                                                                                             [incertezas.                                                                                                   Aqui regresso. E em mim essa lua nova,                                                                                                                                            implacável como o poente, há de ressurgir, clara e pura,                                                                                                            como a íntima sucessão de minha vida,                                                                                                                                            no sonho em que penso reconstruí-la.

    Entre os primeiros versos do livro e os últimos, o tempo passou, correu. Segundo Bosi (1977, p.32), “o tempo é que faz crescer a árvore, rebentar o botão, dourar o fruto. O retorno, a volta, não reconhece apenas o aspecto das coisas que voltam, ela abre também o caminho para sentir o seu ser”. A imagem recordada, pode assumir uma aura de mito, ao retornar, ao fazer a volta. A volta é um passo adiante na ordem da conotação, logo, também, na ordem do valor. Então, o que antes não tinha tanto sentido, passa a ter, o que antes tinha uma carga sentimental, passa a não ser diferenciado das coisas do cotidiano. Ou seja, o mesmo movimento que permite a agitação do início do percurso, pode possibilitar o sossego do retorno.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O que chamamos de princípio é quase sempre o fim.                                                                                                                        E alcançar o fim é alcançar um princípio.                                                                                                                                      Fim é o lugar de onde partimos.                                                                                                                                                       (T. S. Eliot). 

   Neste trabalho, procuramos fazer reflexão sobre o uso do signo linguístico na construção de uma imagem poética, buscamos apreender como este movimento, por meio da linguagem, atua na (re)produção de significados e sentimentos, promovendo o encontro com o sensível por vias e por formas originais e particulares de expressão. Vimos que, a palavra, tida como porto seguro; às vezes pode ser movediça, pantanosa, escorregadia, instável, mal compreendida e mal-usada. No entanto, a palavra é o eixo do fazer poético, é o modo vivo da poesia. Ela tem a capacidade de se corporificar enquanto poema, e assim, abraçar sensivelmente a sensibilidade do outro.

     A progressão do poema de Guimarães Filho, como também a obra de muitos outros poetas, se pauta no uso do signo poético para promover o trânsito entre linguagens, para inquietar o corpo, dar movimento ao pensamento e seduzir o leitor, trazendo-o de encontro com a dinâmica da atualidade. Isto ficou evidente na velocidade com que o poeta se conecta com seus leitores, na forma como posta seus sentimentos, fala de suas angústias, demonstra sua sensibilidade e aponta o roteiro que seguirá.

    Entre um verso e outro, entre uma página e outra, o poeta vai alcançando seu público, vai comunicando sua rota, vai também avisando sobre os efeitos que esse caminhar terá – pode-se encontrar tensão e angústia, mas também o alívio e a tranquilidade –, neste seu deslizar, o poeta segue sussurrando poesia para todos os cantos, produzindo seus sons nas superfícies planas, horizontais e verticais, e perseguindo seu objetivo que é falar sobre seus sentimentos referentes à mulher amada. Assim, ao passo que o poeta tem a liberdade para criar, para inventar, ele também tem um compromisso com as regras do jogo poético, com os itinerários determinados de antemão. Este pacto, que é seguido à risca, pelo destinador, é cumprido a partir da sensibilidade, da compreensão de que intuir é corresponder ao viver.

    Nosso trabalho se pautou na dinâmica que o poeta utiliza para significar o signo, trazendo para o campo do observável a noção de que o plano da existência se deve à potencialidade da ação e da forma originária de ser. Ao escolhermos a coletânea de poesias: A Rosa Absoluta, do poeta Guimarães Filho, fitamos a descrição da origem da sensibilidade humana que está presente nesta obra do artista. Reconhecemos, porém, que a análise que fizemos deste livro, atingiu o mínimo da complexidade do trabalho do poeta. Há muito ainda para ser desvendado nesta coletânea tão significativa. Contudo, referente ao nosso intento, ficamos satisfeitos com o resultado. Foi possível perceber a poesia por um prisma diferente, que ao decidir constituir-se como escrita, relevou alguns eixos temáticos, fiéis ao exercício do olhar e do sentir.

    O que apresentamos, então, é um corpo de escrita, que quer contribuir com sua parcela para a multiplicidade de perspectivas na leitura da poesia moderna. Esperamos que as discussões teóricas e práticas demonstradas, possam ajudar na construção e significação da imagem do poema. Conseguimos apreender nos atos poéticos e performáticos do poeta Guimarães Filho como a imagem poética, apesar de abstrata, promove uma combinação de realidades opostas. Pudemos ver também como o poeta segue um trajeto que marca o encontro perceptivo da pulsação da vida com a constatação da conformidade ao plano da existência. E ver, nesse caso, se relaciona tanto com o desejo de se debruçar sobre teorias que possam dar conta da descrição da percepção desse ato, quanto com a generosidade de recepcionar, do deixar se levar pela sensibilidade, do encontrar-se com a poesia, do deleitar-se com sua sonoridade. 

quarta-feira, 6 de julho de 2022

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 3

 3 O SIGNO LINGUÍSTICO E A ABORDAGEM DO TEXTO POÉTICO – A CONTEMPLAÇÃO DO “ESPETÁCULO”.

Siempre que he hojeado libros de estética, he                                                                                         tenido la incómoda sensacion de estar leyendo                                                                                        obras de astrónomos que jamás hubieran                                                                                                mirado a las estrelas. Quiero decir que sus                                                                                                 autores escribían sobre poesía como se la                                                                                              poesía fuera um deber, y no lo que es em                                                                                            realidad: una pasión y um placer.                                                                                                             (Jorge Luiz Borges. In: “El enigma de la poesía)

    O uso de metalinguagem tem sido bem comum nas análises de obras poéticas, especialmente nas obras concretas e modernas. Este procedimento se deve, em grande parte, ao surgimento da linguística estrutural e a consolidação da semiótica textual. Porém, quando essas metalinguagens, são aplicadas, tendo como foco o movimento de teorias previamente designadas, o que se tem é uma complexa cadeia autorreferencial, em que a própria literatura é colocada em último plano. Ou seja, mirase especialmente na análise das frases que, como citou Luiz Tatíf (2003) “embora [...] façam parte do texto, a análise minuciosa de cada uma delas em nada contribui para a nossa compreensão do texto global” (TATÍF,2003, p.187).

    A literatura possui um caráter polissêmico, ou seja, ela adquire um novo sentido conforme o contexto em que é expressa ou lida. Desta forma, um jovem adolescente com certeza apreenderá um significado diferente de um idoso ou de uma pessoa de meia idade. Este fato tem sido por muitas vezes o óbice sobre as análises literárias, que se tornaram lugar de complexas elaborações linguísticas, sócio-históricas ou filosóficas, que pouco ou nada dizem sobre a propensão contraditória da literatura.

    Ao procedermos a leitura de um poema é preciso trabalhar a linguagem que se define por ser um texto. O texto por sua vez, é considerado como uma sintagmática que se projeta em todas as direções e em todos os sentidos. Já “uma língua pode ser definida como uma paradigmática cujos paradigmas se manifestam por todos os sentidos” (HJELMSLEV, 2006, p.115), é um sistema de signos, adequada para formar novos signos. Ela se ordena com uma porção de figuras – unidades menores do sistema – e de signos – unidades do texto. A língua é concebida como uma combinatória, é interdependência entre termos, quer dizer, não se tem um sem os outros. É nesse sentido que Hjelmslev (2006) considera a língua como texto infinito, cuja estrutura precisa ser definida; ela é uma rede de funções semióticas.

    Toda essa complexidade, se torna mais abafadiça, quando se trata da leitura de textos poéticos, em que se impõe uma tendência analítica racional que faz do poema um instrumento para afirmações conceituais que não poucas vezes aparecem fora do lugar. Apesar disso, podemos utilizar a visão metafórica, para identificar a existência de um possível denominador comum entre as noções de frase e texto, de mundo sonhado e mundo real. Tais possibilidades se tornam observáveis quando contempladas na figuração do “espetáculo” poético.

    Portanto, embora seja preciso deixar de lado a tendência analítica racional, que pode limitar a imagem poética, reconhecemos que a função semiótica é imprescindível na produção de significação. Se, na análise de um texto poético, a função semiótica, for deixada de lado o analista se verá com sérios problemas, pois, como explicou Hjelmslev (2006):

[...] não se poderia delimitar os signos, e não se poderia de modo algum proceder a uma descrição exaustiva do texto – e, por conseguinte, tampouco uma descrição empírica no sentido que aqui lhe atribuímos – respeitando as funções que o estabelecem. Em suma, não teríamos um critério objetivo que pudesse ser utilizado como base para a análise (HJELMSLEV, 2006, pp.54,55) 

    A seguir, faremos uma tentativa de contemplação deste “espetáculo” poético, tendo como base a observação do signo linguístico conforme sua aparição no texto. Por se tratar de uma visão particular, reconhecemos que outras apreensões são possíveis, desde que se parta de outras perspectivas. O poema em questão é “A Rosa Absoluta” do poeta Guimarães Filho (2017).

Penso na tua imortalidade, rosa.                                                                                                                                                         E um longo silêncio recorda-me com exatidão                                                                                                                                  o dia e a hora em que nasceste.                                                                                                                                                          Penso em ti nos subúrbios, modesta e sem luz,                                                                                                                                perfumada como os caminhos não percorridos.                                                                                                                            Penso em ti e me sinto confusamente                                                                                                                                assombrado pelo teu destino incerto.                                                                                                                                             Esta é a hora em que a riqueza de tuas pétalas                                                                                                                    confunde-se com as cores do crepúsculo.                                                                                                                                 Depois de ti outras virão. Mas tu levarás                                                                                                                                 contigo o meu primeiro assombro.                                                                                                                                                      Já sinto a aproximação da noite. A hora fecha-se.                                                                                                                             Já me sinto íntimo de ti que estás,                                                                                                                                              como eu, austera, calada,                                                                                                                                                            diante dos homens como diante de Deus.                                                                                                                                            Não tenho mais temores. O firmamento                                                                                                                                              está em ti como a eternidade. E de ti brotam                                                                                                                                        mil segredos como sonhos. Em ti as vozes                                                                                                                                          se levantam para depois curvarem-se.                                                                                                                                              Por que és, rosa, a face adorada de Deus                                                                                                                                  estranha aos olhos do mundo.                                                                                                                                                              (GUIMARÃES FILHO, 2017, p.13) 

    No Formalismo russo, o poema é concebido como um texto que apresenta linguagem elaborada. Como tal, ele traz uma série de figuras e procedimentos que podem ser identificados. Os formalistas afirmam que há uma diferença entre a língua cotidiana – lábarizada – e a língua poética – antipadronizada. É exatamente sobre este último conceito que se firma a base para a construção da chamada “literaturiedade”, ou seja, os aspectos que fazem de uma mensagem particular um texto literário; e “estranhamento”, processo em que ocorre a singularização do objeto ou da realidade por meio do uso não convencional da linguagem. Roman Jakobson (1995), um dos principais componentes do formalismo russo, igualmente condenava o tipo de estudo literário que se ocupa apenas dos “traços secundários” da literatura – que são as questões sociológicas, psicológicas, filosóficas e biográficas –, deixando de lado aquilo que possui de mais central e específico: a linguagem verbal.

    Para Saussure e os linguistas da escola de Praga, o signo é visto pelas suas funções externas, alguns destes carregam uma significação, formam a imagem poética e mental, enquanto outros signos desempenham o papel de serem relacionais, representando então, o plano das ideias mais o plano dos sons. Nesse sentido, para Hjelmslev (2006), o signo é visto como dois funtivos: conteúdo e expressão. Enquanto a expressão é parte inerente do sistema linguístico; o conteúdo é inserido como parte do processo da linguagem. O sentido porém, não possui uma forma determinada e pode ser conformado de maneiras diversas e diferentes. O que determina a sua forma são as funções da língua.

    Roman Jakobson (1995), defendeu a tese de que a poesia tem uma especificidade linguística que é de combinar as semelhanças existentes entre o som e o sentido. Ao aplicar os ideais saussurianos, Jakobson (1995), redefine a linguagem poética como sendo aquela que “projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação” (JAKOBSON, 1995b, p.130). Mais tarde, essa proposição é redefinida à luz da teoria da comunicação como sendo aquela em que a mensagem se dirige a própria mensagem. Finalmente, devido a influência de Peirce e a semiótica, Jakobson (1995), afirma que, para a linguagem poética, a “correspondência diagramática [ou seja, icônica] entre significante e significado é patente e obrigatória” (JAKOBSON, 1995a, p.112).

    Ao utilizar a função poética, o autor cimenta a perspectiva na qual o poema é um enunciado autorreferencial, desautomatizado e plurissignificativo, o que equivale dizer que o poeta faz uso da linguagem de uma forma particular, diferenciada da norma padrão e com uma intenção estética evidente na forma de relacionar os eixos da seleção e da combinação para produzir significados não unívocos. Ou seja, o poeta dá destaque à “valores diferentes numa ordem diferente, coloca o centro de gravidade diferentemente e dá aos centros de gravidade um destaque diferente” (HJELMSLEV, 2006, p.57). De acordo com Tatif (2003), a produção dos significados passa por três etapas, que são: manipulação, ação e julgamento.

    As noções de manipulação são empregadas pelo poeta sempre que houver a necessidade de uma comunicação persuasiva que envolva dois sujeitos. O autor, passa a estabelecer, como que um contrato entre as funções sintáxicas, de modos a levar o destinatário da mensagem, a ter plena confiança no destinador. Tatif (2003) cita que “no caso de um processo de manipulação bem-sucedido, o destinador praticamente suprime a liberdade de escolha do destinatário”, levando-o a não ter opção que não seja cumprir o contrato unilateral estabelecido pelo destinador (TATIF, 2003, p.193). É, portanto, nessa manifestação que emerge o que conhecemos como autor, falante, artista, poeta e outros termos empregados. Contrapondo-se a essa categoria está o interlocutor/destinatário que passa a se manifestar como leitor e fruidor de maneira geral. Segundo Tatíf (2003),

Para fazer com que o enunciatário creia em seu texto, o enunciador parte de um simulacro de tudo o que poderia constituir a instância do seu actante complementar: suas crenças, seus conhecimentos, seus afetos e seus valores. Tal simulacro, embora não passe de uma construção imaginária (um conjunto de hipóteses sobre o mundo do outro), baseia-se em consensos culturais, em acordos e decisões sobre o que deve ser considerado verdadeiro e confiável num determinado universo de discurso da comunidade (TATÍF, 2003, p.213,214). 

    Deste modo, no trecho “Penso na tua imortalidade, rosa / E um longo silêncio recorda-me com exatidão o dia e a hora em que nasceste”, reproduz com clareza as intenções contidas num processo de manipulação. Para despertar confiança no destinatário, o destinador utiliza-se da boa qualificação, ou seja, refere-se a seu interlocutor como sendo alguém de presença marcante e terna, uma rosa imortal. Note que o emissor da mensagem afirma conhecer o alocutário desde o dia e a hora em que este veio a existência. Em outras palavras, o destinador tenta mostrar que ele é alguém de confiança, ele sempre admirou e sempre zelou pelo bem estar do destinatário. Todas essas estratégias têm como objetivo fazer com que as coisas ditas pareçam, de acordo com o contexto poético, verdadeiras e sinceras.

     José Luiz Fiorin (1995), menciona que para exprimir seus pensamentos, o interlocutor, utiliza-se de uma combinatória de elementos linguísticos, que levam os receptores à reflexão e consequentemente à ação sobre o mundo. Fiorin (1995), entende o discurso como organizado e regular, e diz que para torna-lo objeto de análise, é preciso partir da estrutura de sintaxe e semântica do discurso. Como parte da sintaxe do discurso estão os processos de estruturação que organizam as estratégias argumentativas utilizadas pelo destinador para criar “efeitos de verdade” e persuadir seus enunciatários. Portanto, o destinador, de forma consciente, utiliza os elementos linguísticos com o objetivo de persuadir o receptor da mensagem.

    Nessa linha de pensamento, podemos concluir que o destinador apela até mesmo para a competência interpretativa do destinatário. O poeta espera que sua amada seja capaz de perceber o seu bem querer e sinta-se comovida por tão nobre atitude. Como o critério de confiabilidade e de verdade será construído dentro do poema, um espaço limitado, o autor terá que escolher minuciosamente como irá construir seu texto. Assim, pela seleção cuidadosa de palavras, o destinador, vai formando ideias e conceitos, elaborados estrategicamente para atingir sua finalidade.

    O poeta procura com suas palavras ternas e de admiração, estimular a sensibilidade e afetividade de seu interlocutor. Porém, no nível narrativo, esse sujeito que tenta a manipulação, pode acabar se frustrando, pois suas expectativas talvez não sejam correspondidas. Como observou Tatif (2003):

O não cumprimento dos acordos que normalmente nem sequer estão explícitos - estabelecidos entre os actantes é a principal razão dos sentimentos de decepção e mágoa que levam, muitas vezes a retaliações contundentes. Em outras palavras, para Greimas, a espera fiduciária (baseada na confiança) é o conceito por excelência que está na base das operações intersubjetivas que regulam o universo passional do sujeito (TATIF, 2003, p.196).

    No poema em análise, não é explicitado, a princípio, uma crise contundente, nada que determine um estorvo substancial no relacionamento entre os actantes. Porém, é possível sentir “a aproximação da noite”, a hora está se fechando para os atores – para o destinador a angústia tende a aumentar; o destinatário não tem destino certo. Toda essa movimentação é claramente visível nas direções eufóricas e disfóricas assumidas pelo enfoque narrativo. Tatif (2003) apresenta esses conceitos da seguinte forma:

A euforia opera a passagem das relações tensivas, caracterizadas por rupturas, às relações relaxadas, as que restabelecem os elos contínuos entre os elementos. Contrariamente, a disforia compreende a passagem das continuidades às descontinuidades que geram as tensões. Desse modo, a integração traduz o maior relaxamento possível (algo que seria expresso pela aceitação passiva e plena da manipulação inicial), imediatamente negado pela forma pontual da disforia: a contenção (expressa pela rejeição do contrato narrativo) (TATÍF, 2003, p.205).

    Nos termos da ação do poema, observa-se uma rápida precipitação rumo ao poente, em breve os últimos raios de luz irão desaparecer e a escuridão tomará todo o ambiente. É justamente neste momento, que o narrador, que dá voz ao “eu”- destinador, mostra-se ciente da trajetória que o interlocutor irá adotar (Depois de ti outras virão / Mas tu levarás contigo o meu primeiro assombro). Fica claro, neste trecho que o poeta aceita, ou pelo menos já demonstra conformação, com o fato de seu interlocutor não cumprir com o contrato estabelecido (Não tenho mais temores).

    Notamos, no entanto, que apesar da ênfase, do destinador, em relação a aceitação da perda de sua amada, ele não completa esse desapego, ao contrário, ele se reintegra ao ponto de partida, em que há a tentativa de manipular o destinatário, convencendo-o a permanecer junto ao destinador. O sentimento de destemor do abandono é um disfarce, pouco convincente por sinal, pois logo o poeta confessa: “O firmamento está em ti como a eternidade”. Longe da amada a sustentação do poeta está comprometida.

    Toda essa movimentação, não deixa de ser inquietante, pois se algo caracteriza o percurso poético é a suposta renúncia ao seu amor, porém logo vem a admissão: “E de ti brotam mil segredos como sonhos / Em ti as vozes se levantam para depois curvarem-se. A poesia é integrada por elementos emotivos e sensíveis, não seguindo caminhos racionais como a lógica, a abstração e o conceitual. Portanto, a linguagem poética, tende a fundar um novo sentido, não intelectual, não esboçado de antemão, mas com uma significação dependente da experiência do leitor.

    A ideia da palavra poética como palavra concreta e originária é fundamental em nossa intenção de ler o poema por fora dos enfoques instrumentais. Não há nada no significante que nos remeta ao significado e talvez, por isto, diga-se que o signo é arbitrário. Mas, na poesia, o que temos é uma relação motivada, não arbitrária, entre o significante e o significado.

    Jakobson (1995), em suas pesquisas sobre a linguagem poética, discordava do que ele chamou de “dogma saussuriano do arbitrário” (JAKOBSON, 1995a, p.115). O autor, em artigo escrito no ano de 1965, explicou que a disputa entre o caráter arbitrário ou convencional da linguagem remonta ao diálogo “Crátilo”, de Platão, em que Sócrates, apesar de preferir a representação por semelhança (physei-iconismo), defendida por Crátilo, admite a convencionalidade (thései), defendida por Hermógenes, como um fator complementar da linguagem.

    Desta forma, quando o poeta diz: “Por que és, rosa, a face adorada de Deus”, ele não está somente fazendo um jogo verbal ou assumindo uma posição social; está como que cultivando, regando e até podando a rosa. Esse trecho do poema apresenta uma ênfase no fonético sintático, não só como procedimento formal, mas principalmente como uma finalidade desesperada por restabelecer, recuperar a relação que existia entre destinador e destinatário e está prestes a ter um fim.

    A sanção imposta no texto é um tanto sutil, mas ela está presente e assume uma força narrativa na finalização do poema. No trecho “Por que és, rosa, a face adorada de Deus estranha aos olhos do mundo”, o poeta apresenta sua amada como alguém inacessível e angelical, mas ao mesmo tempo como alguém que não se comporta de acordo com os padrões de moral impostos pelo mundo, tornando-a um objeto estranho ao qual faz-se bem evitar.

    A imagem que se apresenta, neste trecho do poema, assume dupla significação. Por um lado, pode-se entender que a estranheza, produzida pela musa do poeta, seja pelo fato de ela possuir uma ternura além de compreensão. Por outro lado, a estranheza pode ser pelo fato de ela ser ingrata e frívola, que aparenta um ar de inocência, mas é condenada pelos moldes do mundo. Ou seja:

O signo é uma grandeza de duas faces, uma cabeça de Janus com perspectiva dos dois lados, com efeito nas duas direções: “para o exterior”, na direção da substância da expressão, “para o interior”, na direção da substância do conteúdo (HJELMSLEV, 2006, p.62). 

    Para Jakobson (1995), aparentemente, a função poética reduz o significado da mensagem, pois promove a “reiteração regular de unidades equivalentes” (JAKOBSON, 1995b, p.131). Esse fenômeno ocorre porque, em sua concepção, a construção da mensagem poética é regida por processos de “equivalência”, ou seja, por relações de semelhanças, o que faz com que repita estruturas semelhantes, através do som, da sintaxe, da morfologia, entre outras. No entanto, apesar da aparente falta de nexo, a repetição da função poética, não diminui, mas aumenta o significado da mensagem do poema. Isto se dá porque:

A superposição de um princípio de equivalência à sequência de palavras ou, em outros termos, a montagem da forma métrica sobre a forma usual do discurso, comunica necessariamente a sensação de uma configuração dupla, ambígua, a quem quer que esteja familiarizado com a língua e com o verso em questão (JAKOBSON, 1995b, p.143). 

    Em outras palavras, na poesia, a cada repetição, mantêm-se uma unidade de essência: porém, quando essa unidade é colocada em um novo contexto, a mesma estrutura adquire outros significados, dependendo da nova situação de interpretação. Por isso, quando o poeta, apresenta a amada como “estranha aos olhos do mundo”, esse termo poético assume um sentido duplo a depender do pesquisador e sua experiência de vida.

    A trajetória do poema, portanto, consegue passar nitidamente pelas três fases descritas por Tatif (2003) como sendo necessárias para que uma narrativa se complete: manipulação, ação e sanção. Entretanto, as formas como cada um desses trajetos são atingidos é que completa o espetáculo poético. A manipulação não é bem sucedida, apesar das encantadoras palavras e do redundante apelo. A ação adotada pelo destinatário não se desenvolve na orientação simulada pelo destinador/manipulador e, finalmente, a sanção não se processa nos moldes canônicos – o interlocutor que recebe toda atenção, a quem são dispensados todos os cuidados, mostra desconsideração, indo embora. No entanto, não é de vilã a imagem final que temos da ingrata amada, mas de alguém que transborda meiguice e ternura.

terça-feira, 5 de julho de 2022

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 2

 2 O SIGNIFICADO ABSTRATO DA IMAGEM POÉTICA CONJUGANDO REALIDADES OPOSTAS

                                                                                                               Todos estão loucos, neste mundo?                                                                                                               Porque a cabeça da gente é uma só,                                                                                                                e as coisas que há e que estão para                                                                                                                           haver são demais de muitas,                                                                                                                              muito maiores diferentes,                                                                                                                           e a gente tem que necessitar                                                                                                                de aumentar a cabeça para o total.                                                               (João Guimarães Rosa) 

    Os limites da construção poética são inatingíveis. Como exemplo, basta estudarmos os caminhos que a poesia seguiu até chegar a poesia concreta praticada na modernidade. Tantas mudanças, tantos modelos superados, tantos temas abrangidos e mesmo assim ainda há campo para novas abordagens. No século XXI, a separação entre as linguagens se tornou pouco espessa. A tecnologia digital e o universo das imagens nos passam a sensação de um mundo infinito em seus limites, mas único em sua existência, não sendo possível – fora dessa dinâmica – o estabelecimento de outros movimentos. Não há como esquivar-se desse trajeto contínuo de sobreposição entre a cultura e a arte.

    A produção de significados diferentes a partir dos mesmos signos é comparada, por Hjelmslev (2006), como sendo semelhante ao que ocorre quando alguém pega um punhado de areia e o lança sobre uma mesa. Apesar dos grãos de areia terem sido arremessados pela mesma mão, eles podem formar desenhos diferentes. Outra comparação feita por Hjelmslev (2006) foi com os desenhos diferentes que uma mesma nuvem pode produzir, dependo do seu movimento e da posição do observador.

Assim como os mesmos grãos de areia podem formar desenhos dessemelhantes e a mesma nuvem pode assumir constantemente formas novas, do mesmo modo é o mesmo sentido que se forma ou se estrutura diferentemente em diferentes línguas. São apenas as funções da língua, a função semiótica e aquelas que dela decorrem, que determinam sua forma. O sentido se torna, a cada vez, substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além da de ser substância de uma forma qualquer (HJELMSLEV, 2006, p.57). 

    Fiorin (1995), em seu livro “Linguagem e Ideologia”, pondera que existe várias formas de dizer a mesma coisa, utilizando o sentido figurativo, as metáforas, entre outras. Para entender essas formas de linguagem o leitor precisa entrar no submundo das palavras e relacioná-las a um contexto. Muitas vezes é preciso que se possua uma bagagem teórica ou cultural para que se possa compreender o que está escrito naquelas linhas. “Temos que entender, no entanto, que nem sempre essa distinção é fácil de ser feita, pois concreto e abstrato são dois polos de uma escala que comporta toda espécie de gradação” (FIORIN, 1995, p.24).

    O leitor de uma poesia, portanto, precisa preencher alguns requisitos antes de apreender o sentido da imagem poética. Em primeiro lugar, todo leitor de poesia, deve ter como direção o trajeto do signo na sua arquitextura, que é o ambiente em que o sentido se constrói. Em segundo lugar, para se inserir no universo da poesia é preciso reconhecer que as linguagens caminham no mundo modelando-se e iluminando umas as outras. Não há um sentido fixo e estanque ao qual a poesia esteja ancorada. Portanto, não é possível que se atinja a plenitude da significação poética, pois a poesia constrói-se como um enigma e cada leitura revela-se impotente diante do pensamento abstrato que abriga os sentidos da imagem poética.

    Sobre esse assunto as palavras de Noam Chomsky mostram-se sábias:

Na prática, o linguista trata sempre do estudo tanto da gramática universal quanto da particular. Quando constrói uma gramática descritiva, particular de uma maneira e não de outra, tendo por base os dados de que dispõe, é guiado, conscientemente ou não, por certas suposições relativas à forma da gramática, e estas suposições pertencem à teoria da gramática universal (CHOMSKY, 1977, p.44).

    Desta forma, os cuidados que se deve ter ao lermos uma poesia, têm como objetivo, que o leitor não caia na armadilha das análises conteudistas dos letrados e nem se veja envolto nas discussões sobre temáticas acadêmicas que procuram determinar as influencias que afetam as incidências de palavras categorizadas no texto do autor. Por outro lado, ao adotarmos uma concepção de arte como expressão do impacto, expressão que se revela e se constrói pela e na linguagem, evita-se fugir do caráter central e essencial de que se nutre a arte.

    A poesia para existir deve permitir sentir a linguagem percorrer as possibilidades imagéticas do signo. Como menciona Hjelmslev (2006, p.61), “o fato de que um signo é signo de alguma coisa significa, portanto, que a forma do conteúdo de um signo pode compreender essa alguma coisa como substancia do conteúdo”. Desse modo, todos os detalhes são fatores que contribuem para o entendimento da imagem poética. Os descaminhos semânticos, a divisão sintática, a conjugação de campos opostos da semântica, o uso de pontuações que marcam os elementos linguísticos, todos esses recursos, quando são aplicados na poesia, promovem um deslocamento do texto, ampliando as possibilidades do discurso, tanto no dizer como no entender.

    O fenômeno de produção de significados diferentes por um mesmo signo, foi designado por Jakobson como “ambiguidade” e “auto-reflexividade”. Umberto Eco (1997), nos seus estudos sobre a Semiótica, incorpora a tese jakobsoniana. Ele defende que diante de uma mensagem estética, o recebedor é movido, pelo sensível, “não somente a individuar para cada significante um significado, mas a demorar-se sobre o conjunto dos significantes (nesta fase elementar: degusta-los enquanto fatos sonoros, intenciona-los enquanto ‘matéria agradável’)” (ECO, 1997, p. 79). Nesse movimento de construção da imagem poética, os significantes passam a remeter a si mesmos e, por isso, a mensagem do poema torna-se “ambígua” e “auto-reflexiva”. Eco (1997), defende assim, que a ambiguidade da mensagem estética deve ser definida, a partir da teoria dos códigos, simplesmente como uma violação das regras do código, que irá gerar um excesso de significados possíveis, tanto no nível da expressão quanto no do conteúdo.

    A leitura da poesia, no primeiro instante, utiliza-se do traço material, de forma analógica, em um movimento de reconhecimento do referente do mundo e seus traços essenciais, para enfim transformá-lo em linguagem. Ou seja, como concluiu Eco (1997), a mensagem estética do poema, se apresenta com as mesmas características da língua, se bem que de forma reduzida. Quando o autor concentra seu foco no gráfico e no visual da letra, ele gera uma significação na imagem poética, atribuindo-lhe um sentido diferente do já rotineiro.

    Demonstrando como podemos colocar em prática esses passos descritos até aqui, vamos fazer, como exercício de apreensão da imagem poética, uma análise do poema “O dia entristecido”, do poeta Guimarães Filho (2017).

O pôr do sol ao longo da tarde há de erguer entre a noite e                                                                                                                                                           [eu um céu coroado de estrelas.                                                                                                              Falsa noite.                                                                                                                                                                                        Tão longa como o horizonte, povoada de sonhos                                                                                                                                                                                                               [e tristezas.                                                                                                         As distâncias erguem-se como barreiras e minhas mãos                                                                                                                                                                                     [buscam as tuas mãos                                                                                                  numa plenitude inatingível.                                                                                                                                                                  Tenho saudades de um tempo em que as pedras e as                                                                                                                                                                                                               [árvores                                                                                                      eram teu repouso absoluto. Depois te afastaste,                                                                                                                                 e as sombras vieram após o dia                                                                                                                                                          e cobriram a poeira do caminho de uma solidão                                                                                                                                                                                                        [interminável.                                                                                                                  Já não te sinto aqui, rosa noturna, aurora vermelha                                                                                                                 fugindo entre meus dedos como a íntima luz.                                                                                                                                  Nem sei o que sinto, tão triste estou nesta noite morna                                                                                                            cercado de uma angústia que me vela.                                                                                                                              (GUIMARÃES FILHO, 2017, p.24)

    Neste poema, as regras pelas quais se combinam as unidades significativas em frases, estão dispostas como plano-sequência, alinhavadas pela superfície do verso, fazendo sentir a linguagem tal qual o movimento do sol que busca o poente, rastreando as letras que estão dispostas em uma sucessão de camadas, que produzem um dizer significativo.

Saussure define este fenômeno de significação linguística como sendo a união do sentido com a imagem acústica. O sentido equivale, na visão saussuriana, a conceito ou ideia – representação mental de um objeto ou da realidade social –, já por imagem acústica temos o equivalente ao significante, ou seja, a parte sensível. Com esta definição entendemos que:

O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chama-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato (SAUSSURE, 1970a, p.80). 

    A imagem poética é trazida à tona pelo movimento do dizer que se traça pela semântica das palavras (plano do conteúdo) e pela grafia das letras que repetem e se alternam no espaço (plano da expressão), perfazendo, assim, o roteiro da linguagem poética num entre espaços. O signo rastreado, então, se desdobra em ícone e se apresenta como qualidade de dizer que ascende para o aspecto de sua presença visual no poema.

    O que a leitura dos signos desse trajeto poético impõe ao olho e à mente dos que caminham por entre esses versos? Que percurso sedutor disputa a atenção do leitor e leva o olho a buscar o sentido no espaço temporal do poema?

    Ao iniciar a leitura de “O dia entristecido”, o leitor se depara com uma cena cotidiana, o pôr do sol, que cede rapidamente lugar à noite com seu manto de escuridão. Logo há a tentativa da mente de reconhecer e construir um sentido de poesia da natureza, porém, essa tentativa se frustra quando o leitor percebe se tratar de uma “falsa noite”, ou seja, a escuridão não é tão abrangente e não se concretiza fora da cabeça do poeta. O olho, então, permanece atento à camada visual que se segue, afim de estabelecer um sentido para os signos linguísticos.

    O olho guiado pela mente, ávido de encontrar um sentido, se depara com “um céu coroado de estrelas”, que vem logo após o “sol” e logo antes da “falsa noite”. Então, faz-se um movimento de retorno, de revisão do trajeto para enfim haver o avanço. O olhar persiste a fazer recortes, escolher sentidos, traçar trajetos e reúne em planos aquilo que se avizinha de seu horizonte.

    Na trajetória do olhar, a angustia do movimento de escurecer vai fazendo desaparecer aos poucos a luz da esperança, cedendo lugar à tristeza e a solidão. Visualmente, o poema se desenvolve em versos que isolam os pontos altos, estabelecendo barreiras para a penetração da luz, tornando inatingível as mãos pretendidas, afastando a amada do lugar de descanso e por fim determinando uma “solidão interminável”.

    Durante a trajetória do olhar, a imagem poética vai se revelando, tornando manifesto o motivo do escurecer do sol (As distâncias erguem-se como barreiras e minhas mãos / [buscam as tuas mãos / numa plenitude inatingível). Neste movimento poético de criação de barreiras, percebe-se que a causa da ausência de luz, segue uma trajetória de fora para dentro, ou seja, o abandono da mulher amada – que é luz – traz uma escuridão ao sujeito abandonado.

    O olhar percebe a imagem da palavra e passa a demarcar o prazer das formas, perpassando as camadas, adentrando os poros dos versos, rastreando o sentido, que se desdobra em imagem novamente (Tenho saudades de um tempo em que as pedras e as / [árvores / eram o teu repouso absoluto). O que está fixado no poema é uma lembrança que descontrói o referente, pois este, como passado, carrega apenas o estigma de sua presença limosa (Depois te afastaste, / e as sombras vieram após o dia / e cobriram a poeira do caminho de uma solidão / [interminável). A partir deste ponto, o olhar caminha, então, para outro movimento, saindo de dentro do poeta e transbordando no externo, na palavra, no signo linguístico, para o sentido da imagem poética, imagem que se torna esclarecedora e expressiva (Já não te sinto aqui, rosa noturna, aurora vermelha / fugindo entre meus dedos como a íntima luz).

    O poema nos leva a experimentar a nossa memória imagética transformada em linguagem. A imagem poética se revela nessa percepção. Portanto, o que o olho e a mente experimentam na leitura de um poema é um caminhar, primeiro por entre as dobras das letras, por entre as porosidades das palavras, cujo espectro ultrapassa o mero conteúdo, propiciando significação à mensagem.

    A regularidade dos versos, seu crescente, sua simetria gera um ritmo ondulatório da ligação que o olho faz com o mundo conhecido, produzindo uma imagem poética, que é responsável pela produção dos sentidos e significados apreendidos nos poemas. Portanto, esse caminho do olhar traça o roteiro da produção da imagem do poema.

    O que torna um poema singular quando ele de fato utiliza-se de signos do cotidiano? O que está escondido por detrás dos signos? Ao promover um deslocamento, uma desreferêncialização dos signos, o poeta, revivifica o seu poder de nomear e torna a poesia singular.

    O poder de dizer as coisas de modo singular está implícito na relação perceptiva da linguagem que usa como força o sentimento único (Tenho saudades.... Já não te sinto.... Nem sei o que sinto). O poder de dizer está no complemento da frase, no encontro dos signos linguísticos lançados no espaço de uma temporalidade que eterniza um devir das coisas, um sentimento, uma frustração. É de sentimento, de frustração que nos fala o poema. A linguagem deslocada empresta à imagem poética, que se formou, um movimento singular que se retira das interpretações automáticas dos esquemas discursivos.

    Os sentimentos do poeta, se tornam o aspecto singular do trajeto no poema, revelando a renomeação dos signos que dão significado à imagem poética. Desse modo, ao falar sobre a “falsa noite” que está “povoada de antigos sonhos e [tristezas”, somos remetidos aos sentimentos que se reacendem na mente e no coração do poeta. Depois de um tempo de relativa paz e tranquilidade, ao lado da mulher amada, que era sua luz, o autor, se vê novamente com a insegurança da solidão, que escurece sua perspectiva de um futuro feliz.

    As palavras, ao longo do poema, são percebidas por nosso olhar, levando-nos a reconhecer um esquema progressivo de construção sintagmática que estabelecem um sentido particular à imagem poética que se forma. Os cortes inseridos no poema, suspendem o movimento para seduzir o olhar para uma reflexão mais atenta sobre os signos e sugerem um movimento progressivo da luz à escuridão. Na leitura do poema, os signos rastejam e rastreiam algo renomeado, que surge simultaneamente ao plano visual, gráfico do poema, construindo um outro plano, o das imagens que emergem por força do conflito gerado pelo dizer dos sentimentos.

    No plano visual, a sequência progressiva das palavras, os cortes, que ditam a dinâmica da leitura, a sinuosidade dos signos, compõem o cenário imagético do movimento que o leitor fará, do trajeto que deverá ser percorrido. Essa ação adotada, não busca apenas identificar e reconhecer os signos como palavras da língua portuguesa e detectar sentido neles, mas busca também, mesmo que sem consciência disto, a presença de uma imagem que esclareça o porquê do dia, que estava tão radiante, tão brilhante, ter sido entristecido.

    No plano imagético, abstrato do poema, a linguagem centra-se nela mesma e se rastreia tornando-se sol, pôr do sol, escurecer, lua e estrelas, estabelecendo um trajeto a ser seguido para o desvendar do enigma. O roteiro que o poema oferece ao leitor é um caminho que o prende à letra, à palavra, ao verso que sinuosamente o faz retornar ao princípio do trajeto, ao princípio do poema. Trata-se de uma construção filosófico-poética sobre os sentimentos, sobre os sonhos e as angustias que afloram na mente do poeta solitário. O poema nos revela dúbia presença de sentimentos que se mesclam por sonhos sonhados e tristezas presentes. Um sonho que se torna cinza, mas que nem por isso perde a propriedade do que é belo.

    A poesia, como vimos, trabalha uma relação de sentido diferente entre os signos da língua. Isso equivale dizer que não é possível lê-la seguindo um esquema pré-determinado, pois a poesia é linguagem e como tal ela se realiza em outro nível. Portanto, o que a poesia oferece, no lugar de um esquema facilitado de leitura, é roteiro que tem início em lugares diferentes, a depender de quem irá empreender o percurso. O que o poema oferece é um caminho que não foi percorrido, o caminho do signo.

    A poesia de “O dia entristecido” está na construção sintática que promove o movimento, o caminhar em direção ao cinza, ao escuro, mas com possibilidades de ainda contemplar um pouco de luz, seja pelos últimos raios de sol ou pela luz das estrelas e do luar. Desta forma, o poeta impõe o dado visual ao poema, promovendo o particular no declamado, na lógica do discurso de que se nutrem muitos outros poemas. A poesia acontece por meio de uma razão crítica que permeia a percepção do sujeito poético que lê o mundo como imagem.

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 4

 4 DA LUZ À ESCURIDÃO E DE NOVO À LUZ – OS CAMINHOS DO POEMA EM “A ROSA ABSOLUTA” DO POETA GUIMARÃES FILHO Um poema começa [...]           ...