segunda-feira, 4 de julho de 2022

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO

 Silvon Alves Guimarães1

RESUMO A linguagem, na conclusão de Alfredo Bosi, é um repositório de mitos, de fábulas, uma espécie de “expressão do espírito” vinculada, de maneira dominante, à imagem poética. Neste trabalho buscamos realizar uma análise linguística, com especial foco, na manifestação do signo como fator de construção e significação de sentido na obra poética de Guimarães Filho: “A Rosa Absoluta”. O nosso desafio, nesta pesquisa, está no fato do signo linguístico estar assentado na arbitrariedade, o que traz complicações. Portanto, procuramos compreender como a carga expressiva, que invade os limites do signo, quando sua presença se afasta do contexto meramente comunicativo, geram uma perturbação, tornando-o como ícone, como pura sensação, no contexto artístico da linguagem. De natureza qualitativa, este trabalho, se fundamenta nas teorias de Saussure, Chomsky, Jakobson, Hjelmslev entre outros. Investigamos também, o valor da poesia como evidenciação dos sentimentos. Com isso, pretendemos contribuir para a cultura, que muitas vezes não é valorizada por inteira, pelo fato de ser produzida por membros da comunidade local. 

 Palavras-Chave: Signo Linguístico. Imagem Poética. Linguagem.

1 INTRODUÇÃO

  A palavra, esse signo misterioso, denota tantos sentidos às coisas que, por vezes, torna incompreensíveis as mais simples expressões. O signo passa a ser um desafio maior quando se trata da leitura de poesias, pois neste ambiente, ele transfaz-se em um obstáculo na trajetória do verso, pois a palavra, protegida do mundo, carrega em sua condição de (re)nomear, um verdadeiro desafio para o poeta. 

    Notadamente, quando não se estuda linguística, todos esses fenômenos, relacionados à linguagem, passam sem perturbação, de forma passiva. Por exemplo, podemos citar a noção de “Arbitrariedade do signo linguístico” que, para alguém que nunca parou para pensar nos eventos linguísticos, pode parecer um tanto absurda. Isso se dá pelo fato de que os falantes envoltos no uso da palavra não param para fazer uma reflexão profunda sobre a ‘nossa linguagem’. E isso é totalmente normal, pois, somos usuários e não filósofos da estilística.  

    Alfredo Bosi (1977), que desenvolveu pesquisas na área de Filosofia e Estética, considera importante que não haja uma separação entre o sensível e o inteligente. Apoderando-se do trabalho de Vico, o professor Bosi, conclui que a linguagem é um repositório de mitos, de fábulas, uma espécie de “expressão do espírito” vinculada, de modo preponderante, à imagem poética. O reconhecimento do sensível e da inteligência, possibilita uma hierarquização do saber, ou seja, “o luminoso e o cego, o racional e o sensível, o lógico e o empírico”. Portanto, os modos de dizer e de pensar unem o significante e o significado, e o lado sensível do ser humano adquire maior liberdade.

    A linguagem carrega, como ponderou José Luiz Fiorin (1995), não só significados, mas também os signos, e com eles toda uma carga cultural e de costumes. Justamente por este fator, a linguagem tende a ser flexível ao uso de determinadas pessoas ou segmentos sociais. Desta forma, mesmo quando uma comunidade linguística se afasta da norma padronizada da linguagem, essa prática não pode ser considerada errada, pois ela cumpre o objetivo inicial da língua que é o de transmitir pensamentos. 

    Antes de mais nada precisamos nos lembrar de que o signo e a poesia estão fortemente ligados à imagem. Portanto, para compreendermos o signo e a poesia, necessariamente teremos que deixar de lado qualquer traço de interpretação que nos leve para o âmbito das referências, para o lugar do caráter simbólico no sentido da convenção do signo linguístico. Todas as indicações e interpretações que apontem para um espaço convencional, além da imagem poética, tornaria nossa leitura de uma poesia uma falácia, com uma visão superficial e distorcida, que propiciaria uma leitura automatizada do signo poético.

    Portanto, buscar apreender a imagem poética do signo não é como fazer uma investigação policial, em que o foco está na identificação do autor e na verificação de suas reais intenções no texto. Para se chegar à imagem poética é preciso identificar a ideologia por trás das palavras, ou seja, ver o que o autor-narrador quis passar com o texto e não o autor-pessoa. Outro ponto a ser lembrado é o de que não existe conhecimento neutro, portanto, um texto ou um discurso é sempre a expressão de um ponto de vista a respeito da realidade. Fiorin (1995), descreve esse movimento da seguinte maneira:

O discurso são as combinações de elementos linguísticos (frases ou conjuntos constituídos de muitas frases), usadas pelos falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo. A fala é a exteriorização psico-físico-fisiológica do discurso. Ela é rigorosamente individual, pois é sempre um eu quem toma a palavra e realiza o ato de exteriorizar o discurso (FIORIN, 1995, p.11).

    A imagem que se forma na poesia, portanto, é diferente de quando se aplica os princípios da economia, como no uso das metáforas, em que, com o uso de poucas palavras, expressa-se conceitos complexos. Como citou Victor Chkloski (1976, p.50), o objetivo da imagem poética é “criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento”. Desta forma, não se pode esperar que a imagem torne mais próxima de nossa compreensão a significação do objeto. A imagem poética surge como percepção única, singular das coisas.

    Portanto, para que nosso trabalho seja possível, em virtude da natureza pessoal da imagem poética, faz-se necessário que trabalhemos sobre as palavras. Compreendemos, no entanto, que as palavras não poderão recobrir com exatidão o sentido das unidades linguística, mas como citou Saussure (1970b, p.132), “dão dela uma ideia pelo menos aproximada, que tem a vantagem de ser concreta”, possibilitando o seu uso como “termos reais de um sistema sincrônico’. 

    A teoria de Engels de que não existe pensamento sem linguagem, é trazida por Fiorin (1995), no intuito de refletirmos sobre a concretização dos pensamentos. Se é verdade que os pensamentos dependem da existência dos signos, também é verdade que várias vezes pensamos em algo e não sabemos que palavras usar para expressar aquele pensamento. Ou seja, pensamos independente dos signos, porém apenas conseguimos concretizar esses pensamentos com a linguagem, com o pensamento verbal.

    Fiorin (1995), cita também Bakthin, para confirmar que o fato socioideológico da consciência é formado pelo conjunto de discursos absorvidos pelo individuo ao longo dos anos. Isto quer dizer que nossa consciência foi formada ao longo do tempo. Cada discurso que nos agradou, cada citação que nos pareceu lógica foi formando nossa consciência, e assim reproduzimos aquele discurso como se fosse de nossa autoria, como se fossem pensamentos inéditos. Porém, o que de fato acontece, é que repetimos pensamentos previamente absorvidos.

    No entanto, a ideia de consciência social coletiva, não leva por água abaixo o conceito de individualidade e singularidade da pessoa. Isto se dá pelo fato de que ao montarmos um discurso, nós usamos filtros para selecionar os vários pensamentos e conceitos que estocamos, por assim dizer, em nossa mente. Deste modo, individualmente, selecionamos os discursos que serão aproveitados e com os quais serão misturados. Além do mais, o discurso é a reação linguística dos acontecimentos, apenas um reflexo do pensamento de uma pessoa, portanto, o discurso é uma reprodução.

    Então, a pergunta que fazemos neste momento é: Como desestruturar a camada simbólica da imagem poética e torna-la um signo mais próximo daquilo que nossos sentidos percebem do mundo? Como traduzir no mero signo a imagem presente nas coisas? Como alçar nesse signo a condição abstrata e concreta do mundo simultaneamente?

    Para fundamentarmos o nosso trabalho, recorremos aos teóricos Ferdinand de Saussure (1970), Noam Chomsky (1977), Roman Jakobson (1995), Louis Hjelmslev (2006), José Luiz Fiorin (1995), dentre outros. Essas obras nos ajudaram a compreender a relação entre o signo linguístico e a imagem poética na geração da linguagem como modalidade de comunicação.

    Ao confrontarmos as teorias linguísticas com as poesias de Guimarães Filho, percebemos a manifestação artística do sentimento humano, que apresenta o lado frágil e ao mesmo tempo esperançoso de superação. Ao se deparar com a solidão da perda da mulher amada o poeta deixa transparecer toda sua angustia e aflição, gerados pela incerteza do futuro solitário. Mas, como uma Fênix que ressurge das cinzas, o apaixonado encontra um solo firme para ancorar seus pés.

    Neste trabalho, pretendemos compreender os sentidos do signo como expressões de ideias e como a imagem poética apresenta a visão de mundo particular, mas que ao mesmo tempo não deixa de ser coletiva. O nosso desafio, portanto, consiste no fato de que o signo linguístico está assentado na arbitrariedade, o que torna tudo mais difícil. Portanto, buscaremos compreender como a carga expressiva, que invade os limites do signo, quando sua presença se afasta do contexto meramente comunicativo, geram uma perturbação, tornando-o como ícone, como pura sensação, no contexto artístico da linguagem.

    Organizamos nossa pesquisa em três capítulos: no primeiro, abordaremos como os sentidos abstratos do poema extrapolam os limites da compreensão e podem aproximar realidades opostas. No segundo capítulo, analisamos o signo linguístico dentro do texto, e como essa contemplação do “espetáculo”, possibilita a compreensão dos sentidos particulares da poesia. No terceiro capítulo, buscamos estabelecer a trajetória criada na coletânea de poesias “A Rosa absoluta” do poeta Guimarães Filho.

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