domingo, 6 de janeiro de 2013

Análise para o Vestibular do livro "O CORTIÇO" de Aluízio de Azevedo.


O cortiço
 Aluísio Azevedo
1. Contexto social e HISTÓRICO
O Realismo/Naturalismo
Realismo é a denominação genérica da reação ao estilo romântico que tentou superar o sentimentalismo através da busca da objetividade e da racionalidade. Não se enaltecem mais as personagens heroicas, a pátria idealizada, a mulher inatingível, o passado histórico. O momento presente é o que conta agora. As personagens retratarão pessoas comuns, portadoras de fraquezas, defeitos, im­perfeições etc. A busca da verdade contemporânea e a dissecação da sociedade burguesa consistiam as grandes metas dessa nova estética. Temas como a traição, o adultério, a dissimulação, a falta de ética, os jogos de interesses, enfim, a hipocrisia humana sempre aparecerá como pano de fundo das obras realistas.
Os escritores realistas/naturalistas defendiam uma literatura antiburguesa, antimonáquica e anticlerical por meio do predomínio da razão. Adotaram uma postura de análise crítica diante dos fatos para a partir destes extraírem um retrato fiel, objetivo e imparcial da sociedade da época.
Como marcos inicial dessa estética na Europa, tivemos, em 1857, a pu­blicação, na França, da obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o primeiro romance realista da literatura universal. Só 10 anos depois, teríamos a publicação daquela que seria considerada a primeira obra naturalista: Thérèse Raquin, de Émile Zola.
O Naturalismo no Brasil
Considera-se o ano de 1881 como marco literário do Realismo/Naturalismo no Brasil, com a publicação da obra realista Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e com a obra naturalista O mulato, de Aluísio Azevedo.
Como se percebe, dentre o grupo de autores dessa estética, alguns optaram por inclinar suas obras para o cientificismo naturalista e para a análise social a partir de grupos humanos marginalizados.
Defendendo a tese determinista de que “o homem é fruto do meio”, essas narrativas privilegiam os ambientes coletivos (cortiços, pensões etc.), apresentam a visão biológica da vida e dos homens, os desvios de conduta, a degradação das pessoas e o zoomorfismo (aproximação do humano com o animal).
Autores como Raul Pompeia, Adolfo Caminha, Inglês de Souza, entre outros, produziram obras de caráter nitidamente naturalista (atitude não assu­mida por Machado de Assis), porém nenhum deles alcançou o valor estético de Aluísio Azevedo.
2. O AUTOR
Aluísio Tancredo Gonçalves Aze­vedo nasceu em 14 de abril de 1857, na cidade de São Luís, no Maranhão.
Após cursar as primeiras letras no Liceu Maranhense, foi para o Rio de Janeiro para estudar pintura e desenho e começou a trabalhar como caricaturista em alguns jornais. Em 1878, retornou a São Luís por motivo pessoal: morrera seu pai e ele deveria assumir seu papel na família.
De volta à terra natal, o escritor acabou criando inúmeras inimizades por conta de seus artigos de caráter político, no jornal O Pensador, em que atacava tanto a sociedade maranhense como o clero.
Decidido a viver de suas produções literárias, o autor revezava publica­ções de obras românticas, que denominava “comerciais”, e obras naturalistas, consideradas “artísticas”.
Com a publicação de seu primeiro romance naturalista, O mulato, em 1881, Aluísio Azevedo atraiu para si a ira tanto dos poderosos da cidade como da sociedade em geral. Perseguido e criticado incessantemente, o autor decidiu voltar ao Rio de Janeiro, onde pretendia seguir sua carreira literária. Porém, a escassez de rendimentos o fez ingressar na carreira diplomática. Em 1895, foi nomeado vice-cônsul. Dedicando-se exclusivamente a essa nova função, o autor viajou por diferentes países e abandonou, de vez, a literatura.
Aluísio Azevedo faleceu a 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, aos 55 anos.
Obras do Autor
Como já dissemos anteriormente, o autor, com objetivo único de ganhar dinheiro, produziu incessantemente. Fica claro que a quantidade dessa pro­dução interferiu em sua qualidade. Em geral, podemos perceber que as obras denominadas por ele como “artísticas” apresentam um trabalho literário mais elaborado, enquanto os romances “comerciais” apresentam as velhas e já gastas tramas folhetinescas.
Sendo assim, podemos classificar suas obras em duas categorias: romances românticos e romances naturalistas.
• Romances românticos
– 1879: Uma lágrima de mulher
– 1882: Memórias de um condenado (ou A condessa Vésper) e Mistérios da Tijuca (ou Girândola de amores)
– 1884: Filomena Borges
– 1894: A mortalha de Alzira
Romances naturalistas
– 1881: O mulato
– 1884: Casa de pensão
– 1887: O homem
         – 1890: O cortiço e O coruja
3. A OBRA
Marco do Naturalismo brasileiro, a obra O cortiço, publicada em 1890, apresenta a perfeita união entre o homem e seu ambicioso projeto, ou seja, João Romão e seu cortiço. Ambos nascem, desenvolvem-se, crescem, progridem e, já no topo, negam suas origens humildes e se reinventam de maneira mais nobre e sofisticada, desprezando a “raia miúda” e almejando voos maiores.
Explorando seu talento para a caricatura e sua facilidade para descrever personagens e situações de maneira dinâmica e expressiva, o autor optou, nes­sa obra, em privilegiar as cenas coletivas, tendo sempre como pano de fundo o próprio cortiço: o grande responsável pelas transformações das pessoas que lá vivem e convivem.
Como fiel discípulo de Émile Zola, o autor empreendeu a técnica naturalista para a elaboração da obra. Visitou inúmeros cortiços do Rio de Janeiro, estudou--lhes o aspecto, a movimentação, os sons, os cheiros, a rotina, os hábitos e os costumes ali desenvolvidos. Depois, aproximou-se dos moradores, conversou com eles, obteve informações de lavadeiras, cavouqueiros, trabalhadores em geral. Observou a maneira de falar dessas pessoas, seus desejos, seus problemas, suas intimidades e suas promiscuidades.
Só depois dessa pesquisa e em posse de toda essa documentação é que o autor se sentiu preparado para escrever a obra que acabou se tornando o para­digma do romance naturalista no Brasil.
Costuma-se salientar dois aspectos relevantes na obra O cortiço:
– o processo de personificação do cortiço;
– a presença marcante do zoomorfismo.
O processo de personificação do Cortiço
Muitos críticos defendem a ideia de que o protagonista dessa obra não seria João Romão, mas sim o próprio cortiço. É ele que molda e define os com­portamentos do grupo, é ele que transforma o caráter de seus moradores, é ele que faz com que os instintos mais primários venham à tona e aniquilem com a moral e a ética.
São famosas as passagens em que podemos verificar essa personificação do cortiço: Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. (Capítulo III)
Mas naquele domingo o cortiço estava banzeiro. (Capítulo XX)
O cortiço dormia já e só se ouviam, no silêncio da noite, cães que ladravam lá fora... (Capítulo XX)
O cortiço aristocratizava-se. (Capítulo XXII)
Outro indício da superioridade do cortiço sobre as personagens pode ser notado na passagem em que se narra o surgimento de um novo cortiço ao lado do de João Romão. Imediatamente, instalou-se uma rivalidade entre seus mora­dores que, a partir daí, começaram a ser designados pelos nomes das estalagens, “Cabeça-de-gato”, os da nova estalagem e “Carapicus”, os inquilinos de João Romão os quais perderam, dessa forma, sua identidade pessoal e ganharam uma identidade coletiva.
Quem se desse com um carapicu não podia entreter a mais ligeira amizade com um cabeça-de-gato; mudar-se alguém de uma estalagem para outra era renegar ideias e princípios e ficava apontado a dedo... (Capítulo XIII)
O emprego do zoomorfismo na obra
A zoomorfização, ou animalização, é uma figura de linguagem que compa­ra, aproxima ou identifica o comportamento humano com o do animal, quando este age motivado apenas por seus instintos.
O autor abusa desse recurso em diferentes situações. Observe:
Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia-légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta. (Capítulo I)
E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio, com verdadeira satisfação de animal no cio. (Capítulo I)
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. (Capítulo III)
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas ras­teiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como formigas; fazendo compras. (Capítulo III)
A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo. (Capítulo III)
ESTRUTURA DA OBRA
A obra apresenta 23 capítulos não intitulados e não muito curtos. A presença dos diálogos é constante, imprimindo grande dinamicidade à obra.
Como o narrador exerce a onisciência, por vezes, suas falas se confundem com a dos personagens, principalmente com as de João Romão, por meio do discurso indireto livre. Observe:
Diabo! E não poder arredar logo da vida aquele ponto negro; apagá-lo rapidamente, como quem tira da pele uma nódoa de lama! Que raiva ter de reunir aos voos mais fulgu­rosos da sua ambição a ideia mesquinha e ridícula daquela inconfessável concubinagem! E não podia deixar de pensar no demônio da negra, porque a maldita ali estava perto, a rondá-lo ameaçadora e sombria; ali estava como o documento vivo das suas misérias, já passadas mas ainda palpitantes. Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque era tudo que havia de mau na vida dele! Seria um crime conservá-la a seu lado!
[..]
Mas, e a Bertoleza?...
Sim! era preciso acabar com ela! despachá-la! sumi-la por uma vez!
[...]
A crioula estava imóvel sobre o enxergão, deitada de lado, com a cara escondida no braço direito, que ela dobrara por debaixo da cabeça. Aparecia-lhe uma parte do corpo nua.
João Romão contemplou-a por algum tempo, com asco.
E era aquilo, aquela miserável preta que ali dormia indiferentemente, o grande estorvo da sua ventura!... Parecia impossível! (Capítulo XXI)

FOCO NARRATIVO
A obra faz uso de uma 3ª pessoa onisciente, que desloca sua narração como lhe convém. Por vezes, detendo-se no cortiço de João Romão, por vezes privilegiando os acontecimentos ocorridos no sobrado de Miranda.
Em suas descrições, é rude e implacável, evidencia as deformações físicas, denuncia os atos vis e inescrupulosos cometidos, assinala, com ironia e, por vezes, com desprezo, as tragédias sofridas por toda (a seu ver) aquela gentalha que insistia em viver.

ESPAÇO
A narrativa transcorre em alguns bairros do Rio de Janeiro, mas seu foco de atenção se atém ao cortiço de João Romão, situado em Botafogo.
TEMPO
A narrativa apresenta tempo cronológico bem marcado, com inúmeras citações de horas, dias da semana etc. Porém, em alguns capítulos, o narrador conta em flashback acontecimentos passados que orientam a narrativa presente.
A obra descreve o Rio de Janeiro do Segundo Reinado, período em que as estalagens coletivas proliferavam.
LINGUAGEM
Como já dissemos no item “A obra”, Aluísio Azevedo entrevistou, conver­sou com os moradores de diferentes cortiços do Rio de Janeiro para, entre outros objetivos, conhecer-lhes a linguagem, as expressões, a sonoridade, as construções frasais etc., de modo a representá-los da maneira mais fiel possível.
O tom de coloquialidade é constante, variando de personagem para per­sonagem. Importante salientar que até o narrador assume uma linguagem sem artifícios de delicadeza, apresentando-se, muitas vezes, até mais dura e grosseira do que a dos moradores do cortiço. Observe:
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, come­çou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. (Capítulo I)
A Machona altercava com uma preta que fora reclamar um par de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, parecia derreter-se como sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa monologava, resmungando numa insistência de idiota, ao lado da Marciana que, com o seu tipo de mulata velha, um cachimbo ao canto da boca, cantava toadas monótonas do sertão:
Maricas tá marimbando,
Maricas tá marimbando,
Na passage do riacho
Maricas tá marimbando. (Capítulo IV)
Agora, espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações de espasmo; ao passo que a outra, por cima, doida de luxúria, irracional, feroz, revoluteava, em corcovos de égua, bufando e relinchando.
E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados. Até que, com um assomo mais forte, devorou-a num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos, curtos, muito agudos, e afinal desabou para o lado, exânime, inerte, os membros atirados num abandono de bêbedo, soltando de instante a instante um soluço estrangulado. (Ca­pítulo XI)
A Machona lavava à sua tina, ralhando e discutindo como sempre, quando dois trabalhadores, acompanhados de um ruidoso grupo de curiosos, trouxeram-lhe sobre uma tábua o cadáver ensanguentado do filho. [...]
Todo ele, coitadinho, era uma só massa vermelha; as canelas, quebradas no joelho, dobravam moles para debaixo das coxas; a cabeça, desarticulada, abrira no casco e despe­java o pirão dos miolos; numa das mãos faltavam-lhe todos os dedos e no quadril esquerdo via-se-lhe sair uma ponta de osso ralado pela pedra. (Capítulo XXI)

PERSONAGENS
As personagens do cortiço são todas caracterizadas de maneira caricata, sem dó nem piedade, por um narrador onisciente duro, irônico e, por vezes, cruel.
João Romão: português trabalhador, “... tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer”, desonesto, explorador dos mais pobres, oportunista. Conforme obteve sucesso financeiro, almejou mudar de status e foi em busca de uma nova posição social e um título de nobreza .
Início de sua ascensão: “João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economi­zou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro”.
Projeto: “... não perdia a esperança de apanhar-lhe ainda, pelo menos, duas ou três braças aos fundos da casa; parte esta que, conforme os seus cálculos, valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto que ultimamente o trazia preocupado – a criação de uma estalagem em ponto enorme, uma estalagem monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela miuçalha de cortiços que alastravam por Botafogo. Era este o seu ideal”.
“Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visavam a um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens.”
“Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem”.
“Durante dois anos, o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente.”
Bertoleza: quitandeira, escrava que, enganada por João Romão, crê que está alforriada. Trabalhadora, humilde e servil. Foi explorada por João Romão até quando necessária. “Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante”.  
Rita Baiana: mulata muito sensual, amiga de todos no cortiço. “Etoda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromá­ticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador”.
Mulher independente, causadora da transformação de Jerônimo que fica fascinado por ela.
Firmo: capoeira, amante de Rita Baiana. “... era um mulato pachola, del­gado de corpo e ágil como um cabrito; capadócio de marca, pernóstico, só de maçadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira. Teria seus trinta e tantos anos, mas não parecia ter mais de vinte e poucos. Pernas e braços finos, pescoço estreito, porém forte; não tinha músculos, tinha nervos. A respeito de barba, nada mais que um bigodinho crespo, petulante, onde reluzia cheirosa a brilhantina do barbeiro; grande cabeleira encaracolada, negra, e bem negra, dividida ao meio da cabeça, escondendo parte da testa e estufando em grande gaforina por debaixo da aba do chapéu de palha, que ele punha de banda, der­reado sobre a orelha esquerda”.
Jerônimo: “Era um português de seus trinta e cinco a quarenta anos, alto, espadaúdo, barbas ásperas, cabelos pretos e maltratados caindo-lhe sobre a testa, por debaixo de um chapéu de feltro ordinário: pescoço de touro e cara de Hércules, na qual os olhos, todavia, humildes como os olhos de um boi de canga, exprimiam tranquila bondade”.
A princípio, mostra-se extremamente trabalhador, honesto, bom pai e marido dedicado. Ao se apaixonar por Rita Baiana, passa por uma completa transformação degradante. No final da narrativa, revê sua trajetória, busca sua mulher e filha e abandona o cortiço na esperança de voltar a ser o que era.
Piedade: esposa de Jerônimo, não se adapta aos costumes do cortiço; mantém seus hábitos portugueses tanto na alimentação como em não tomar ba­nho todos os dias. “Piedade merecia bem o seu homem, muito diligente, sadia, honesta, forte, bem acomodada com tudo e com todos, trabalhando de sol a sol e dando sempre tão boas contas da obrigação, que os seus fregueses de roupa, apesar daquela mudança para Botafogo, não a deixaram quase todos”.
Abandonada pelo marido, vai-se degradando pouco a pouco, a ponto de ser expulsa do cortiço.
Pombinha: considerada a “flor do cortiço”. Bonita, loira, muito pálida, modos finos e educados, recebeu instrução até em francês. Ajudava a todos no cortiço. Depois de violentada por Léonie, casa-se, mas insatisfeita, separa-se e, juntamente com Léonie, dominam o meretrício da região.
João da Costa: noivo e depois marido de Pombinha. “... moço do comércio, estimado do patrão e dos colegas”. Traído pela mulher, abandona-a.
Léonie: cocote de procedência francesa. Prostituta e lésbica era muito querida por todos no cortiço. Gosta de Pombinha e a força numa experiência homossexual. Ao final da narrativa, ela e Pombinha dominam o meretrício da cidade.
Albino: “... um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pes­cocinho mole e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo; em presença dele, falavam de coisas que não exporiam em presença de outro homem”.
As lavadeiras: Leandra (a machona), Augusta Carne-Mole (esposa de Ale­xandre, mãe de Juju), Leocádia (esposa de Bruno), Paula (a bruxa), Marciana e sua filha Florinda, dona Isabel (mãe de Pombinha).
Sobrado
Miranda: também português 35 anos, negociante de tecidos. Muda-se para um sobrado ao lado do cortiço de João Romão. Casa-se, por interesse, com Estela que não o ama, sente-se humilhado e aos poucos irá invejar João Romão, que ascendeu sozinho sem ter que se submeter a um casamento de conveniência.
Logo que se mudou, tentou comprar um pedaço de terra de seu vizinho para aumentar seu quintal. João Romão não só não vendeu como se propôs a comprar-lhe um tanto do seu quintal. “Travou-se então uma luta renhida e surda entre o português, negociante de fazendas por atacado, e o português, negociante de secos e molhados”.
Estela: esposa de Miranda. “... senhora pretensiosa e com fumaças de nobreza”.
“Dona Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério.”
Zulmira: suposta filha de Miranda e Estela. “... tinha então doze para tre­ze anos e era o tipo acabado da fluminense; pálida, magrinha, com pequeninas manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces levemente pintalgadas de sardas. Respirava o tom úmido das flores noturnas, uma brancura fria de magnólia; cabelos castanho-claros, mãos quase transparentes, unhas moles e curtas, como as da mãe, dentes pouco mais claros do que a cútis do rosto, pés pequeninos, quadril estreito, mas os olhos grandes, negros, vivos e maliciosos”.
Ao final da narrativa, ela será alvo da ambição de João Romão.
Henrique: filho de um fazendeiro, era cliente importante de Miranda e veio de Minas. “... tinha quinze anos e vinha terminar na Corte alguns preparatórios que lhe faltavam para entrar na Academia de Medicina. [...]
Henrique era “bonitinho, cheio de acanhamentos, com umas delicadezas de menina”.
Botelho: hóspede na casa de Miranda “na qualidade de parasita”.
“Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro, como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito ma­cilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-se-lhe ainda todos os dentes, mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio. Andava sempre de preto, com um guarda-chuva debaixo do braço e um chapéu de Braga enterrado nas orelhas.”
“... já velho comido de desilusões, cheio de hemorroidas, via-se totalmen­te sem recursos e vegetava à sombra do Miranda, com quem por muitos anos trabalhou em rapaz, sob as ordens do mesmo patrão, e de quem se conservara amigo, a princípio por acaso e mais tarde por necessidade”.

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