Fichamento Citação
ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda. Filosofando:
Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
Capítulo 1
A Cultura
“O homem é um ser que fala. A palavra se encontra no
limiar do universo humano, pois caracteriza fundamentalmente o homem e o
distingue do animal”. [...] “Poderíamos dizer, porém, que os animais também têm
linguagem. Mas a natureza dessa comunicação não se compara à revolução que a
linguagem humana provoca na relação do homem com o mundo”. [...] “Assim, a
linguagem animal visa à adaptação à situação concreta, enquanto a linguagem
humana intervém como uma forma abstrata que distancia o homem da experiência
vivida, tornando-o capaz de reorganizá-la numa outra totalidade e lhe dar novo
sentido”. (p.4).
“É por isso que podemos
dizer que, mesmo quando o animal consegue resolver problemas, sua inteligência
é ainda concreta. Já o homem, pelo poder do símbolo, tem inteligência
abstrata.”. [...] “Se a palavra, que distingue o homem de todos os seres vivos,
se encontra enfraquecida na possibilidade de expressão, é o próprio homem que
se desumaniza”. (p.5).
“A cultura é, portanto,
um processo de auto-liberação progressiva do homem, o que o caracteriza como um
ser de mutação, um ser de, que ultrapassa a própria experiência”. [...] “O
mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modo
que, ao nascer, a criança encontra o mundo de valores já dados, onde ela vai se
situar”. (p.6).
“Todas as diferenças
existentes no comportamento modelado em sociedade resultam da maneira pela qual
os homens organizam as relações entre si, que possibilitam o estabelecimento
das regras de conduta e dos valores que nortearão a construção da vida social,
econômica e política”. (p.7).
“assim como a
massificação pode ser decorrente da aceitação sem crítica dos valores impostos
pelo grupo social, também é verdade que a vida autêntica só pode ocorrer na
sociedade e a partir dela. Aí reside justamente o paradoxo de nossa existência
social, pois, como vimos, o processo de humanização se faz pelas relações entre
os homens, e é dos impasses e confrontos dessas relações que a consciência de
si emerge lenta mente. O homem move-se, então, continua mente entre a
contradição e sua resolução”. (p.7)
“Portanto, a sociedade é a condição da
alienação e da liberdade, é a condição para o homem se perder, mas também de se
encontrar”. (p.7)
“A função de "estranhamento" é
fundamental para o homem desencadear as forças criativas, e se manifesta de
múltiplas formas: quando paramos para refletir na vida diária, quando o
filósofo se admira com o que parece óbvio, quando o artista lança um olhar novo
sobre a sensibilidade já embaçada pelo costume, quando o cientista descobre uma
nova hipótese”. (p.7)
“O "sair de si"
é remédio para o preconceito, o dogmatismo, as convicções inabaláveis e,
portanto paralisantes. É a condição para que, ao retornar de sua
"viagem", o homem se torne melhor”. (p.7)
Capítulo 2
Trabalho e Alienação
“O
trabalho estabelece a relação dialética entre a teoria e a prática, pela qual
uma não pode existir sem a outra: o projeto orienta a ação e esta altera o
projeto, que de novo altera a ação, fazendo com haja mudança dos procedimentos
empregados, o que gera o processo histórico”. (p.9)
“[...] ‘Todo trabalho
trabalha para fazer um homem ao mesmo tempo que uma coisa’, disse o filósofo
personalista Mounier”. (p.9)
“Marx retoma a temática
hegeliana, mas critica a visão otimista do trabalho ao demonstrar como o objeto
produzido pelo trabalho surge como um ser estranho ao produtor, não mais lhe
pertencendo: trata-se do fenômeno da alienação”. (p.11)
“Em Hegel também surge o
conceito de alienação. Em sua perspectiva, ela corresponde ao momento em que o
espírito “sai de si” e se manifesta na construção da cultura”. (p.11)
“[...] o consumo
não-alienado supõe, mesmo diante das influências externas, que o individuo
mantenha a possibilidade de escolha autônoma, não só para estabelecer suas
preferências como para optar por consumir ou não”. (p.15)
“Além disso, o consumo
consciente nunca é um fim em si, mas sempre um meio para outra coisa qualquer”.
(p.15)
“Num mundo em que
predomina a produção alienada, também o consumo tende a ser alienado. A
produção em massa tem por corolário o consumo de massa”. (p.16)
“O problema da sociedade
de consumo é que as necessidades são artificialmente estimuladas, sobretudo
pelos meios de comunicação de massa, levando os indivíduos a consumirem de
maneira alienada”. (p.16)
“O lazer é criação da
civilização industrial, e aparece como um fenômeno de massa com características
especiais que nunca existiram antes do século XX”. (p.17)
“No mundo em que a
produção e o consumo são alienados, é difícil evitar que o lazer também não o
seja. A passividade e embrutecimento naquelas atividades repercutem no tempo
livre”. (p.18)
“A propaganda da
bem-montada “indústria do lazer” orienta as escolhas e os modismos, manipula o
gosto, determinando os programas:...”. (p.18)
Capítulo 5
Ideologia
“[...]
senso comum e o conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e
ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade que
pertencemos”. (p.35).
“[...] o senso comum
precisa ser transformado em bom senso, este entendido como a elaboração
coerente do saber e como explicação das intenções conscientes dos indivíduos
livres”. (p.35)
“Qualquer pessoa, não
sendo vítima de doutrinação e dominação, e se for estimulada na capacidade de
compreender e criticar, torna-se capaz de juízos sábios porque vitais, isto é,
orientado para sua humanização”. (p.35)
“[...] ideologia... é o
conjunto de idéias, concepções ou opiniões sobre algum ponto sujeito a
discussão”. (p.36)
“Ainda podemos nos
referir à ideologia enquanto teoria, no sentido de organização sistemática dos
conhecimentos destinados a orientar a ação efetiva”. (p.36)
“[...] Gramsci considera
que em um primeiro momento, enquanto concepção de mundo, a ideologia tem a
função positiva de atuar como cimento da estrutura social. Quando incorporada
ao que chamamos senso comum, ela ajudará a estabelecer o consenso, o que em
última análise confere hegemonia a uma determinada classe, que passará a ser
dominante”. (p.36)
“A universalidade das
idéias e dos valores PE resultado de uma abstração, ou seja, as representações
ideológicas não se referem ao concreto, mas ao aparecer social”. (p.37)
“[...] a universalização
e a abstração supõem uma lacuna ou o ocultamento de alguma coisa que não pode
ser explicitada sob pena de desmascaramento da ideologia. Por isso a ideologia
é ilusória, não no sentido de ser “falsa” ou “errada”, mas enquanto uma
aparência que oculta a maneira pela qual a realidade social foi produzida. Isto
é, sob o aparecer da ideologia existe a realidade concreta que precisará ser
descoberta pela análise da gênese do processo”. (pp.37-38)
Resenha:
Apresentação
do autor
Maria Lúcia de Arruda Aranha Nasceu em Três Lagoas, Mato
Grosso do Sul. Formada em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Lecionou para o Ensino Médio em escolas da rede pública e
particular, até se aposentar. Em parceria com Maria Helena Pires Martins, é
autora de "Filosofando - introdução à filosofia" e "Temas de
filosofia", publicados pela Editora Moderna. É autora também de Filosofia
da Educação e História da Educação e da Pedagogia - Geral e Brasil pela mesma
editora.
Obras
da autora:
-Qual
é a graça? O bom e o mau humor
-A
praça é do povo - Política e cidadania
-A
bússola e a balança
-Por
um mundo mais justo
-Filosofia
da educação
-História
da educação e da Pedagogia
-Entre
a espada e a palavra
-
Violência ou diálogo?
-Viver
em família
-
Reinventando os laços
-Maquiavel
- A
lógica da força
Análise
do conteúdo dos capítulos 1, 2 e 5.
Os desafios da atualidade exigem
cada vez mais criatividade e dinamicidade dos trabalhadores em educação, de
forma que a reflexão da prática educativa pode ser compreendida como princípio
edificador de mudanças. Nesse sentido, a obra de Maria Lúcia de Arruda Aranha nos
proporcionou uma reflexão sobre conceitos básicos como o que é cultura e sua
manifestação em nossos dias. Ao invés de compreender a Filosofia como uma
disciplina de conteúdo e programa restrito, a autora procurou construir uma
compreensão nova para o exercício de sua prática. Assim entendemos que a
Filosofia pode cumprir um papel fundamental enquanto método de trabalho em
educação, no sentido de estabelecer um espaço de construção da unidade entre os
diversos campos do conhecimento existentes na escola, desenvolvendo uma nova
relação de aprendizagem com os alunos, através de uma visão interdisciplinar e
transdisciplinar da realidade.
No capitulo 2, a
autora, trata de fazer uma conceitualização sobre alienação e suas
manifestações cotidianas. Há vários sentidos para o conceito de alienação.
Juridicamente, significa a perda do usufruto ou posse de um bem ou direito pela
venda, hipoteca etc. Nas esquinas costumamos ver cartazes de marreteiros
chamando a atenção dos motoristas: "Compramos seu carro, mesmo
alienado". Referimo-nos a alguém como alienado mental, dizendo, com isso,
que tal pessoa é louca. Aliás, alienista é o médico de loucos. A alienação
religiosa aparece nos fenômenos de idolatria, quando um povo cria ídolos e a
eles se submete. Para Rousseau, a soberania do povo é inalienável, isto é,
pertence somente ao povo, que não deve outorgá-la a nenhum representante,
devendo ele próprio exercê-la. É o ideal da democracia direta.
Na vida diária,
chamamos alguém de alienado quando o percebemos desinteressado de assuntos
considerados importantes, tais como as questões políticas e sociais. Em todos
os sentidos, há algo em comum no uso da palavra alienação: no sentido jurídico,
perde-se a posse de um bem; na loucura, o louco perde a dimensão de si na
relação com o outro; na idolatria, perde-se a autonomia; na concepção de
Rousseau, o povo não deve perder o poder; o homem comum alienado perde a
compreensão do mundo em que vive e torna alheio a sua consciência um segmento
importante da realidade em que se acha inserido.
Para Marx, que analisou
esse conceito básico, a alienação não é puramente teórica, pois se manifesta na
vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o
produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer. Todo o resto é decorrência
disso. O surgimento do capitalismo determinou a intensificação da procura do
lucro e confinou o operário à fábrica, retirando dele a posse do produto. Mas
não é apenas o produto que deixa de lhe pertencer. Ele próprio abandona o
centro de si mesmo. Não escolhe o salário - embora isso lhe apareça
ficticiamente como resultado de um contrato livre -, não escolhe o horário nem
o ritmo de trabalho e passa a ser comandado de fora, por forças estranhas a
ele.
Ocorre então o que Marx
chama de fetichismo da mercadoria e reificação do trabalhador. O “fetichismo” é
o processo pelo qual a mercadoria, ser inanimado, é considerada como se tivesse
vida, fazendo com que os valores de troca se tornem superiores aos valores de
uso e determinem as relações entre os homens, e não vice-versa. Ou seja, a
relação entre os produtores não aparece como sendo relação entre eles próprios
(relação humana), mas entre os produtos do seu trabalho. Por exemplo, as
relações não são entre alfaiate e carpinteiro, mas entre casaco e mesa.
A mercadoria adquire
valor superior ao homem, pois se privilegiam as relações entre coisas, que vão
definir relações materiais entre pessoas. Com isso, a mercadoria assume formas
abstratas (o dinheiro, o capital) que, em vez de serem intermediárias entre
indivíduos, convertem-se em realidades soberanas e tirânicas.
Em conseqüência, a
"humanização" da mercadoria leva à desumanização do homem, a sua
coisificação, à reificação (do latim res, "coisa"), sendo o próprio
homem transformado em mercadoria (sua força de trabalho tem um preço no
mercado). "
No capitulo 5, Aranha
(1995), faz uma divisão da ideologia em 4 características:
1- Abstração: algo material que podem ser divinizados ou
diabolizado. Exemplo: o trabalho pode ser algo bom, e em muitos casos é uma
dádiva divina, pois lhe dá a estabilidade de sobrevivência ou mantém as
necessidades básicas. Por outro lado o trabalho pode ser considerado “ruim”,
pois priva a pessoa do lazer, do descanso, além dos perigos eminentes de
doenças causadas por questões trabalhistas. O trabalho em si não é ruim, mas a
ideologia impede as pessoas de refletirem sobre as péssimas condições
trabalhistas.
2- Universalização: um grupo domina o outro, impondo valores
como se fossem universais. Podemos citar como exemplo a colonização da América;
as propagandas; o estereotipo de pessoas (brancas, ricas) que ditam a moda; a
cultura, que serve de modelo para os menos críticos.
3- Lacuna: o que a ideologia não diz. Por exemplo, o Brasil
precisa de empresas para se desenvolver, mas não dizem que com a fábrica vem a
degradação ambiental e quem paga por isso, somos todos nós. Lacuna, portanto, é
a impressão de um falso progresso. Não que a empresa não seja boa para o
desenvolvimento, mas ocultam as conseqüências dessa implantação. Quando as
propagandas divulgam a errônea ideia de que somos todos iguais, ricos ou
pobres, homens ou mulheres, são pseudo-igualdade ocultadas por questões
ideológicas.
4- Inversão: essa inversão pode ser ilustrada pelo mito da
caverna platônica, que confunde as sombras com a realidade. Por exemplo,
colocamos valor em um objeto (tênis), mas nunca refletimos que possivelmente
pessoas foram exploradas como mão de obra barata ou escrava, para a confecção
do produto (tênis). A ideologia e os meios de comunicação colocam quase sempre
o poder monetário na frente ao humano. Talvez essa seja a pior de todas as
inversões!
Conclusão
Como
método de trabalho, a Filosofia pode desenvolver uma maior capacidade de
crítica do conhecimento, da escola, da sociedade e das relações humanas através
de momentos privilegiados de debate em sala de aula. O contato com teorias
contraditórias através de leituras e interpretações propicia um "novo
olhar" para o mundo, entendendo que a "verdade" não é privilégio
de um indivíduo ou de um grupo social, mas que sua busca depende da
interlocução de sujeitos que se colocam na condição de pesquisadores,
conscientes de que não conquistarão o conhecimento definitivamente, mas que, até
por isso, estão dispostos a continuar procurando através de muito estudo e
debate.
Aranha destaca que a
Filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que
só o homem tem de superar a situação dada e não escolhida. Pela transcendência
o homem surge como ser de projeto, capaz de liberdade e de construir o seu
destino. Desta forma, através do estudo e reflexão sobre o texto, percebemos a necessidade de adaptar
nosso planejamento à realidade da turma escolar, fazendo com que, muitas vezes,
o planejamento seja reconstruído durante a própria aula, percebemos também a
necessidade de desenvolver uma dinamicidade em nossa proposta pedagógica. Somente
desta forma é que poderemos atingir nosso objetivo como professor: desenvolver
a capacidade de reflexão crítica nos sujeitos para possibilitar a sua
emancipação enquanto agentes livres e comprometidos com a evolução da cultura
humana, o progresso do conhecimento e a transformação da sociedade.
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