terça-feira, 26 de junho de 2012

Cartas Que Não foram Enviadas (Carta 5)


Mesmo sabendo que é impossível, vou tentando te escrever. Não sei quantas vezes comecei e nem poderia dizer quantas vezes parei essa escrita. O que escrevo são somente frases vazias, que não conseguem expressar a desilusão de um ser solitário como eu. Sou apenas um montão de solidão desde que você se foi. Eu quis e quero te escrever, porém, não posso, não sei, não consigo dizer nada.
Agora começo de novo a te escrever. Nas mãos tenho um lápis e um bloco de papel, no peito tenho um sentimento de impotência por não poder formular nenhuma frase que possa dizer o que sinto por ti. Eu quis outra vez marcar a folha que se encontrava em branco e mais uma vez me faltaram às palavras, mais uma vez fiquei mudo, se calaram meus lábios, emudeceram minhas mãos, apesar de ter tanto o que te dizer. A falta de você me faz perder os sentidos, me faz ficar paralisado.
 Em meio a esta agonia que toma conta de minha alma, vejo brotar duas lágrimas em meus olhos, sem dar-me conta, as lágrimas caem e se prendem ao papel em branco, em que tento escrever-te algumas linhas.
De onde surgiram estas lágrimas? Do coração sangrento, da alma dilacerada? Não posso dizê-lo. O fato é que estavam ali, perfeitas em suas formas brilhantes, eram duas pérolas, dois diamantes que cintilavam no papel em branco. Logo, percebi que meu coração ou minha alma, talvez tenham feito o que eu não pude fazer, escreveram essas palavras que eu não consegui escrever. Como poderia eu, expressar de melhor modo essa dor que mora dentro de mim?
Quem poderia saber mais da dor venho trazendo comigo?... Deixei estas lágrimas no papel, não as toquei. O papel em que eu queria te escrever já não estava mais em branco, já não estava incompleto, já não precisava de minhas palavras, pois trazia um pedaço de mim, de meu coração, de minha alma.
Deixo-te esta folha com duas lágrimas junto com a rosa da cor que você tanto gosta. Deixo a folha e a rosa juntos para que te acompanhem, para que não fiques só, para que, diferente de mim, possa ficar em paz.
 Desprendo-me da folha com as lágrimas e da rosa, para ficar só, pois você já não está aqui. Aqui deixo minha carta, minha rosa, meus beijos e meu adeus. Sigo sem nada, levo apenas os espinhos da rosa… que mal podem me fazer mais alguns espinhos? Tenho tantos cravados em meu peito que já não sinto dor. Me sinto como um punhado de folhas secas que o vento frio do outono espalha pelos campos desertos e empoeirados.
Eu fui o feliz namorado, o ser escolhido, o poeta que tanto te quis... E que por um tempo, você tanto quis. Hoje sou apenas uma sombra que nem vida tem. Eu sou aquele que acreditava no amor, quando você estava do meu lado. Hoje sou aquele que nega que exista o amor... Porque você não esta aqui.
Voltarei como sempre volto, trazendo um papel em branco, deixando duas lágrimas amargas para que digam o que não podem dizer minhas palavras, para que te mostrem meus sentimentos. Deixarei outra vez uma rosa, da cor que você tanto gostava. Deixo meus beijos e meu adeus, com a promessa de eternamente voltar com um papel em branco... Duas lágrimas... Uma flor, um novo beijo e meu adeus.

(Tradução do poema “Carta 5” de Neogéminis, postado em http://cartasquenofueronenviadas.blogspot.com.br/2012/06/carta-5)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Nietzsche e a Génese moral (imoral) da Metafísica ocidental


Nietzsche considera que a Metafísica Ocidental deu origem a “Covardia” – a impotência perante o real – ao ódio, e a vontade de vingança. A interpretação ocidental de mundo considera que a verdade e o bem não são próprios deste mundo, ou seja, do mundo sensível ou do mundo do devir. Para Nietzsche, o dualismo sensível - inteligível é obra de uma vontade débil que não suporta o confronto com o mundo terreno, vingando-se ao desvalorizá-lo, ao considerá-lo como mundo aparente, sem consistência, falso.

A moral da Metafísica ocidental considera este mundo irreal, enquanto que o “outro mundo”, o mundo do além é superiormente real. Mas essa superioridade não se baseia na realidade, mas esse “outro mundo”, se torna superior porque satisfaz o desejo de segurança, de estabilidade, de paz e de repouso que se julga não se poder encontrar neste mundo, mas ser abundante no mundo do além. Em outros termos o “outro mundo” é superior porque o julgamos bom e isto se dá porque pensamos que lá seja o contrário daqui. Aqui há sofrimento, dor e morte, lá no mundo do além a o gozo, o prazer incomensurável, há a realização de todos os nossos anseios. A metafísica ocidental é, assim, uma moral disfarçada, uma visão da realidade condicionada por uma determinada concepção acerca do que é o bem e do que é o mal. Esta visão moral é segundo Nietzsche, profundamente imoral.

Com efeito, o que está na base deste “outro mundo”, que é imaginado como melhor do que o mundo do devir, o mundo sensível, é o ressentimento, é a vontade de vingança em relação ao mundo em que vivemos. O mundo do devir é difícil de controlar, é por deveras ameaçador, provocando muitas vezes angústia e sofrimento.

Sob o nome de racionalismo tentou-se disfarçar os baixos instintos, a imoralidade, a partir dos quais se constituiu essa ficção nociva que é o “mundo das ideias”, o “mundo verdadeiro”, o “mundo inteligível”. Assim Nietzsche com sua filosofia nos leva a uma desconcertante conclusão da análise genealógica: o “outro mundo” dito superior, que é ausente das angustias e sofrimentos atuais é uma invenção de realidades falhadas.

A Razão é o instrumento de uma vontade de vingança contra a realidade sensível, é um meio de destituí-la de qualquer valor, de desprezar tudo o que na realidade é difícil de dominar ou controlar: o corpo, os sentimentos, as paixões, o caráter imprevisível do devir, no qual a vida consiste. Descobertas as raízes indecentes da cultura ocidental, a imoralidade e os baixos instintos que profundamente a determinam, exige-se o derrube dos valores e ideais que, pretensamente racionais, nada mais são do que a negação de uma racionalidade saudável.

A decadência, segundo Nietzsche, começa com a filosofia socrático-platónica. Sócrates e Platão são as origens sonantes desta perniciosa interpretação. O pensamento ocidental tem identificado a verdade com o Bem, mas o que se tem considerado verdadeiro representa uma construção artificial que nega a realidade e o que se tem considerado bom corresponde a uma condenação de tudo o que é natural, das raízes profundas da vida. Nietzsche avalia negativamente o pensamento europeu desde Sócrates até aos nossos dias.

domingo, 17 de junho de 2012

Procurando por Enéas e Benitín

Te conocí un día de enero
Con la luna en mi nariz
Y como ví que eras sincero

En tus ojos me perdí

Que torpe distracción
Y que dulce sensación

Y ahora que andamos por el mundo
Como Eneas y Benitín
ya te encontré varios rasguños

Que te hicieron por ahí

Pero mi loco amor

Es tu mejor doctor...
(Extraído de "Día de Enero", escrita por Shakira.)

O trecho extraído citado é parte de uma canção doce do disco “Fijación Oral vol. 1 de Shakira. A cantora escreveu esta canção para seu namorado, Antonio de la Rúa, e posso dizer que ela tem a magia de uma canção que é ao mesmo tempo geral e particular. Particular, porque fala sobre o relacionamento entre Shakira e Antonio de la Rúa. Geral, porque ela descreve o que acontece em muitas relações românticas. Bem que esta canção poderia estar falando da minha vida, ou quem sabe da sua. Enfim, a canção é um retrato das relações amorosas em geral.

Como em todos os discos de Shakira, sempre encontro algo para investigar e enriquecer-me culturalmente, ao mesmo tempo em que compreendo melhor o trabalho desta brilhante cantora. Neste caso, não sabia quem era “Eneas y Benitín”, e de fato nem compreendia o queria dizer este verso da canção. Porém, pesquisando, eu descobri que “Eneas y Benitín” (o nome comercial na verdade, é “Benitín y Eneas, porém com licenciamentos poéticos se permitiu fazer a troca na ordem dos nomes, para favorecer a rima) são dois personagens de umas “histórias em quadrinhos”, que contam as peripécias e aventuras de dois bons amigos. Os personagens têm a particularidade não só de contraste de personalidades, como também tem o contraste de tamanhos, sendo Benitín muito pequeno e Enéas muito alto. Por ser tão famosa, a História em Quadrinhos, de “Benitín y Eneas”, pode ser utilizada como metáfora de uma relação de contrastes, como era o caso da relação entre Shakira e Antonio de la Rúa.

É isto. Espero que esta explicação possa ajudá-los a gostar mais desta canção. Ao ouvi-la, pense no significado que ela tem. Espero que você encontre ou se torne um “Eneas” ou um “Benitín”, para dividir o seu “loco amor”. Acá los dejo con estas dos parejas... Ah! E um vídeo desta linda canção.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Nietzsche e o Perspectivismo


“Para o forte, o conhecimento, o dizer sim à realidade é uma necessidade tal como para o fraco, sob a inspiração da fraqueza, também é uma necessidade a cobardia e a fuga perante a realidade” — o ‘ideal’...

Nietzsche não aceita a idéia de verdade absoluta. Tudo é perspectiva, tudo é uma interpretação pessoal do complexo texto do mundo. Então, não há verdadeiramente fatos e a verdade que se pretende absoluta ou objetiva é uma mentira.

Interpretação pessoal, como assim? Para Nietzsche, o intérprete atribui significado a algo, a partir da perspectiva, da vivência, e até, porque não, das necessidades pessoais. Então o mundo é cheio de mundos, ou seja, cada pessoa, cada individuo, à base das suas próprias interpretações vai criando o seu mundo particular e pessoal. É claro que alguns procuram moldar os mundos particulares de acordo com a sua perspectiva, e no caso dos que possuem poder de convencimento, conseguem com que outros indivíduos não tenham suas interpretações pessoais do mundo, mas sigam o que lhes é determinado.

Seguindo esse raciocínio, Nietzsche diz que o platonismo e o cristianismo, são exemplos de interpretações da vida e do mundo, são formas de avaliação das perspectivas e tanto o Platonismo como o cristianismo, são agentes determinantes de interpretações particulares que sobrepõem às interpretações individuais.

Todas as interpretações, toda a perspectiva pessoal, gira em torno de um sentido fundamental imanente em tudo que existe, a Vontade de Poder. Nietzsche, nos fala sobre como essa “vontade de poder” faz com que se criam recursos como – o juízo de valor – que dá sentido e um valor à vida e se torna a pulsão que move as vontades humanas. Todas as formas culturais criadas pelo homem são expressões da sua “vontade de poder”.

Quando Nietzsche fala sobre a vontade de poder, não fala de uma vontade específica, não necessariamente esta vontade tem de se manifestar de uma só forma, por não ser unívoca, esta vontade pode assumir diversas formas. Assim, Nietzsche fala de vontade de poder fraca ou negativa (que se vira contra a própria vida) e de vontade de poder forte ou afirmativa (que diz sim à vida).

O homem é, para Nietzsche, o ser que avalia, que produz valores. Enquanto manifestação da vontade de poder, os valores são sintomas ou de uma vontade débil ou de uma vontade forte, em suma, de certo tipo de vitalidade. O perspectivismo, ao transformar todos os nossos valores, ideias ou doutrinas em simples interpretações, em perspectivas, em relações, saudáveis ou doentias, com a vida, abre o caminho ao método genealógico.

A análise genealógica consiste em remontar à origem dos nossos valores ou ideias, em desocultar a sua raiz profunda, em revelar a sua gênese partindo do suposto de que as produções culturais do homem são o sintoma ou a tradução de determinados instintos, de uma vontade que nega ou afirma a vida. Em suma, são interpretações que manifestam o tipo de vitalidade do intérprete, a sua relação com a vida, os seus desejos ou instintos mais profundos.

Entendendo os valores e as ideias não como realidades objetivas — como algo existente em si — o método genealógico traçará a gênese dos produtos culturais do Ocidente (a moral, a filosofia, a religião, etc.) considerando-os como interpretações que manifestam uma vontade débil, incapaz de enfrentar a vida na sua desconcertante complexidade e odiando o mundo e a vida por causa dessa impotência, dessa debilidade.

Nietzsche não é capaz de aceitar as determinações que são impostas pelo platonismo e pelo cristianismo, por considerá-los como interpretações particulares que sufocam a visão pessoal de mundo que cada individuo pode desenvolver. Ao pregar a verdade absoluta, o cristianismo, difunde uma mentira e tenta dar lugar a vontade de poder, vontade essa que conduz os seres humanos a odiarem a vida e o mundo, mantendo apenas a uma perspectiva de recompensa no futuro, tendo que por outro lado não usufruir essa vida atual, mas odiá-la e desprezá-la. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Chrônicas Jathayenses de um jornalzinho do início do século XX

O povo de jataí sempre teve um veio artístico muito refinado, há vários cantores, compositores, escritores, poetas, humoristas, etc. No início do século XX, mais especificamente no ano de 1922, um grupo de empresários e amigos lançaram um jornalzinho com o nome de “O Picapau”, na definição que eles mesmo fizeram sobre o jornal: “O Picapau é hebdomadário, litterario, comercial, noticioso e humorístico”. Eu chamo atenção para a última definição, “humorístico”, pois no meu ver esse é o forte do jornaleco. O Jornal é cheio de provocações entre os amigos, se fala sobre os ternos, sobre as “cavações”, o famoso “pegar” de hoje, as paixões dos amigos, o tamanho do nariz, as bebedeiras e coisas do cotidiano festivo do grupo e da sociedade, que parece todos se conhecem.
            Nesta postagem trago a nota de abertura do jornal. Notem o grau de desconcentração que foi colocado logo na abertura deste periódico, que já indicava o seu teor para os próximos números. A escrita é reproduzida na integra, utilizarei as mesmas palavras que foram escritas.

O Picapau
Sua Fundação
Em vista de haver morrido, aliás sem as pragmaticas do estylo, o periódico “A Cidade de Jathay” que com tanta galhardia vinha mantendo bem alto o nome desta terra onde não canta o sabiá, mas folacha a sanphona, abençoada companheira a quem o sertanejo, sentimental por índole, conta as suas queixas e lhe chora no ouvido os lamentos de su’ alma eternamente magoada, um grupo de enthusiastas verdadeiros e sinceros das letras pátrias, reconhecendo as necessidades de uma folha de letra de fôrma, resolveu virar pelo avesso cada um o seu respectivo bolso não furado e fundar uma espécie de sociedade anonyma para o que foi marcada para o dia tal de Oitembro do anno de mil novecentos e coisa uma reunião no sala nobre do olho da rua e lá compareceram o Toti, o Osorio Calado, o Cutia, o Siuca, o Raul do Moysés, o Véinho, o Maestro Anestori... e quando o salão estava cheio que a gente não via ninguém, o Toti com sua pose melenta, subiu na mesa e, tomando a presidência, declarou aberta a sessão, convidando depois para seu secretário o Siuca, que tomou o logar competente, em baixo da mesa; em seguida foi dada a palavra ao Osorio Calado que, na qualidade official da meléca, entrou mudo e saiu cabisbundo   e meditabaixo na mudez elocuente de seu discurso escronio, explicando que o fim daquelle povão todo ali (não é mesmo?) era a afundação de um jornal cujo fim seria divertir, todos os domingos depois da missa, a moçada guapa, desconsolando muitas vezes os namoriscados deante de alguma bicada de cum força; logo em seguida, isto é, depois que o Osorio Calado acabou a sua discurseira e (não precisa dizer) depois de vivamente applaudido, por proposta do presidente Toti, foi procedida a inleição para apuração da começão directora que ficou assim constituída: - director: Siuca; secretario: Raul do Moysés; thesoureiro: Osorio Calado; ficando os mais a chupar o dedo e procurar a cama que é logar quente pra chorar; concluídos os trabalhos da apuração (não se trata aqui de apuros por enquanto mente) foi posto a votos qual deveria ser o nome do pimpolho, nome que o presidente indicara fosse o de “Pica Pau” por ser o nome da mãe, que foi acceito unanimemente; não havendo mais nada importante a tratar, o presidente falou aos povos (porque não haviam povas) e mandou evacuar as massas, depois de agradecer com uma espécie de descompostura de sogra a todos que compareceram com o seu (delles) corpo de presença.
            Não convém fazer constar aqui que não se fecharam depois as portas do tal salão nobre, porque não as havia, e nem tampouco se apagou a luz porque esta foi aproveitada da porta da pharmacia “Brazil”.
            E para terminar, gente, os afundadores do “Pica-Pau” mandam dizer que não se responsabilisam pelas criticas assignadas e mais que alguma carga de paus muito pesada elles não agüentam.
(Trecho Extraído do Periódico "O Picapau", 15 junho de 1922)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A Invenção do Nordeste e a Indústria da Seca – Os caminhos da exclusão

A “Indústria da seca” é um termo utilizado para designar a estratégia de alguns políticos que aproveitam a tragédia da seca na região nordeste do Brasil para ganho próprio. O termo começou a ser usado na década de 60 por Antônio Callado que já denunciava no Correio da Manhã os problemas da região do semi-árido brasileiro.


Fischer e Albuquerque (2002 p.1) observam que “O problema da seca não se manifesta no aspecto específico da água, mas especialmente na escassez de alimento, caracterizada como fome endêmica, relacionada à casa e à mulher, que não é pensada pelos idealizadores da política da emergência da seca”. Assim, a conjugação da seca e da fome, além de causar inúmeros obstáculos à sobrevivência das famílias e das comunidades – “a fome absoluta ameaça intermitentemente o cotidiano dos atingidos pela seca” (Fischer; Albuquerque, 2002, p. 1), causando não só um mal estar físico, mas também psicológico, social e moral.

“No passado, o termo se referia à falta de alimento para saciar o apetite, que, no ser humano, é considerado estágio fisiológico ligado à necessidade alimentar. No sentido moderno, fome é a falta de quaisquer dos quarenta ou mais elementos nutritivos indispensáveis à manutenção da saúde. Essa carência ocasiona morte prematura, embora não acarrete, necessariamente, a inanição por falta absoluta de alimento” (Fischer; Albuquerque, 2002, p. 1).

O Nordeste Brasileiro, como toda divisão política e cultural do espaço humano, tem de ser visto como sendo o resultado de um processo histórico que o inventa ou o cria, portanto o Nordeste é um produto social que deve ser analisado pensando-se socialmente e material. Nessa perspectiva, ele é descrito por Durval M. Albuquerque Jr. (2007; 2011) como uma invenção político-cultural que se firmou a partir dos primeiros anos de governo da República Velha.

“Enquanto a seca matava apenas animais, escravos e homens pobres, ela nunca havia sido considerada um grande problema, nunca havia despertado tanta atenção, seja nos discursos parlamentares, seja nos discursos oficiais, seja na imprensa. Mas esta seca ocorre num momento de crise econômica e de declínio político dos grupos dominantes desta área do país. Ela, pela primeira vez, atinge com intensidade setores médios dos proprietários de terras, com a falência de alguns, a morte ou a necessidade de migração de outros. A própria existência de uma imprensa mais organizada e com capacidade de repercutir o fenômeno em nível nacional, algo que não ocorreu em secas anteriores, dá uma repercussão a esta seca como não fora dada a nenhuma outra anterior, por isso esta se tornou a grande seca, marco em qualquer história das secas que seja elaborada na região ou sobre a região.” (ALBUQUERQUE JR. 2007, pp. 91-92)

A partir desse momento, dá-se a “invenção do Nordeste”, ou seja, a produção da identidade nordestina, no espaço político-econômico nacional, que desde o início está associada à inferioridade, à escassez de recursos e de oportunidade. Resta às antigas elites, a reação por meio do capital intelectual, representado pela nova geração – homens letrados, filhos dos antigos “coronéis” –, por meio da reelaboração discursiva da identidade regional – o regionalismo da geração 1870. O Nordeste começa a ser folcloricamente situado numa época pré-industrial – a era dos engenhos, idade de ouro do Nordeste, anterior à emergência da sociedade liberal, que destronava os ricos e desamparava os pobres –, marcado pela dialética harmoniosa entre a casa-grande e a senzala. Diversas manifestações culturais – literatura, teatro, pintura, cinema –, custeadas por ricos e pobres, encarregaram-se de difundir essa imagética em todas as classes sociais e na pluralidade de localidades nordestinas, acompanhando a agenda de eventos religiosos católicos (Albuquerque Jr., 2007, pp. 102-104).

O SIGNO LINGUÍSTICO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO E DE SIGNIFICAÇÃO DA IMAGEM DO POEMA – UMA ANÁLISE DA POESIA DE GUIMARÃES FILHO - Parte 4

 4 DA LUZ À ESCURIDÃO E DE NOVO À LUZ – OS CAMINHOS DO POEMA EM “A ROSA ABSOLUTA” DO POETA GUIMARÃES FILHO Um poema começa [...]           ...