A educação dos adultos que não tiveram
oportunidade de completarem os estudos ou mesmo daqueles que não se
alfabetizaram ou de jovens que estão fora do período normal de estudo, tem sido
o causador de incansáveis debates entre educadores e lideranças ligadas ao
ensino. Um projeto criado com a finalidade de atender a essa parcela da
população foi a EJA, Ensino de Jovens e Adultos, que pretendia levar aos que
não tiveram a oportunidade de estudo, uma chance de atualizarem-se sem gastarem
o mesmo tempo do ensino regular. Contudo, tem-se observado uma grande evasão e
um abandono administrativo por parte do governo a esse programa. O que tem
contribuído para gerar essa problemática?
Em
entrevista a revista GESTÃO ESCOLAR, o pesquisador sobre educação professor
Sérgio Haddad analisa o cenário atual da EJA no Brasil, explica por que houve
uma queda acentuada nas matrículas nessa modalidade - que caiu de 4,9 milhões em
2001 para 3,9 milhões em 2012, segundo o Censo Escolar - e comenta os desafios
que os educadores precisam superar com a crescente presença de jovens nas
turmas da EJA.
O professor Haddad, assumiu em 1974, a
direção do chamado curso supletivo de 1º e 2º graus, no Colégio Santa Cruz, em São
Paulo. Em 1989, Haddad deixou o cargo, porém não se afastou da Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Atualmente, Haddad, ocupa o cargo de assessor da organização não governamental Ação Educativa,
diretor-presidente da Fundação Fundo Brasil de Direitos Humanos e membro do Conselho
Internacional de Educação de Adultos (Icae), ambos em São Paulo, e do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em Brasília.
Questionado sobre
a redução da matrícula na EJA nos últimos anos, o professor Haddad, disse que
isso é difícil de entender, pois hoje, é quando mais se direciona
financiamentos a esse setor da educação e em contra partida, há no Brasil, mais
de 65 milhões de pessoas com 15 anos ou mais sem instrução ou que não
concluíram o Ensino Fundamental. A demanda, portanto, deveria ser enorme, mas
isso não aconteceu. Haddad reconhece que tem ocorrido, de fato, uma desistência
por parte do governo, em relação a esse projeto.
As evidências da
desistência, do projeto EJA, por parte dos sistemas de ensino, podem ser
vistas, segundo Haddad, nas barreiras que se criam e dificultam que a EJA dê
certo. Como exemplo ele cita que as redes fixam um número mínimo de alunos para
formar as turmas no período noturno, que faltam coordenadores pedagógicos
especializados na modalidade, que as bibliotecas ficam fechadas e não há
iluminação na quadra de esporte à noite, entre outros problemas. Além desses
problemas há a falta de divulgação sobre o projeto e os locais onde estão
disponíveis.
O
desinteresse em atender a jovens e adultos, além do prazo escolar considerado
normal, se dá pela lógica do custo-benefício, comentou Haddad. Segundo ele,
fica evidente que a EJA não aos interesses econômicos, prevalecendo, portanto, as
óticas da racionalidade e da produtividade em prejuízo da do direito à
Educação. A EJA sempre será mais cara e terá turmas menores, pois os estudantes
têm dificuldades específicas e isso exige um ensino de natureza diferente.
Em relação aos avanços que ocorreram
nos últimos anos, Haddad respondeu que algumas políticas do governo federal
foram mais efetivas para a EJA do que o próprio financiamento do Fundo de
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), como o Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE) e outros que garantem livros didáticos, merenda e transporte para
os alunos da EJA. Muitos vão à escola direto do trabalho e ter condições de
mobilidade e alimentação ajuda muito. Mas apenas isso é insuficiente.
Neste cenário, Haddad, analisou que o diretor de escola tem
um papel muito importante em contribuição para a ampliação da EJA com qualidade.
Em primeiro lugar, ele e sua equipe, devem evitar fazer da EJA uma mera
adaptação do ensino regular, mas devem pensar nela em sua especificidade. Assim
o gestor tem que estar disposto a ouvir o aluno que chega à escola à noite e
conhecer os desejos, as necessidades e as demandas dele em relação à
aprendizagem. Fazendo isso, a equipe gestora, saberá como construir um projeto
político-pedagógico, que contemple esse aluno não só no currículo, mas também
no espaço e na flexibilidade dos horários.
O trabalho é grande e envolve todos os atores da
educação, comentou Haddad, porém este é o caminho: a construção coletiva. Quando
isso ocorre, há um enorme prazer em trabalhar em grupo. Além do mais, diz
Haddad, a lógica de que o educador é treinado para ensinar e transmitir o
conhecimento tem de mudar. Citando Paulo Freire, Haddad pondera o ensino como
um processo de mão dupla e coletivo. Na EJA, a colaboração é mais exacerbada
porque se lida com pessoas que possuem uma considerável experiência de vida.
Quando a bagagem e a diversidade cultural dos alunos, que são riquíssimas, dominam
o ambiente escolar, todos se engajam e o prazer pelo conhecimento supera
qualquer outro, finalizou Sérgio Haddad.
Nos anos
finais de minha graduação, em licenciatura em História, tive a oportunidade de
cumprir com o estágio obrigatório, em uma escola que funcionava com o projeto
da EJA. Durante o estágio eu tinha a oportunidade de observar que há uma
subestimação da EJA como instrumento capaz de realizar mais do uma
alfabetização. E apesar de todo o potencial que este programa especial de
ensino possui, ele é tratado como uma redução dos conteúdos, uma simplificação
educacional, em comparação com o ensino regular, para dar capacitação aos que
ficaram de fora do ensino regular, de modo a se fazer uma compensação dos anos
fora da sala de aula.
De acordo com
Apple (1989) e Bittencourt (2011), há um currículo oculto nas escolas que serve
para reforçar as regras que cercam a natureza e os usos do conflito. Os alunos
aprendem não apenas o conteúdo explícito no currículo, mas também normas,
valores, formas de convivência, que não estão ditos claramente. Nas turmas da
EJA há um currículo oculto construindo um tipo específico de aluno. É preciso
que se dê atenção a este currículo oculto, como ressaltou Sérgio Haddad, e a
partir dele construir um novo currículo que seja mais eficiente em ajudar na
qualificação dos alunos.
Referências:
APPLE, Michael W. Currículo e poder. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, v.14, nº 2, jul/dez, 1989,
p. 46-57.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino
de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2011.
HADDAD, Sérgio. Os
governos desistiram dos jovens e adultos. Revista Gestão Escolar. Iniciativas.
Publicada em 11/08/2014. http://gestaoescolar.abril.com.br/politicas-publicas/sergio-haddad-governos-desistiram-jovens-adultos-762851.shtml acesso em: 16 ago.
2014.
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